Mulheres bosquímanas
Há mais de 1500 anos os Bosquímanos(Bushmen em inglês), ou san, ainda ocupavam a maior parte do sul de África, embora venham a ser rechaçados desde há 4 mil.
Povo primitivo deste imenso continente, deslocavam-se livremente pela África Austral até os povos bantu, criadores de gado, se mudarem da África Central para a Austral há 4 mil anos. Rechaçaram os san para regiões secas, como o Kalahari. A chegada de colonos brancos por volta de 1600 levou a mais espoliação, escravidão e matança deste povo.
No século passado, a criação de gado intensiva, a agricultura, a exploração mineira e a preservação da fauna foram outros tantos motivos de opressão dos bosquímanos. Hoje em dia a população san é de pouco mais de 60 mil pessoas (48 mil no Botswana, 3 mil na Namíbia, 4300 na África do Sul, 2500 no Zimbabué e 300 na Zâmbia; e no ano de 2003 foram localizados 3500 no sul de Angola).
Pastores san
Tal como os primeiros povos doutros lugares, desde os nativos americanos aos maoris, os san foram vítimas de discriminação, miséria, exclusão social, desgaste da identidade cultural e negação dos direitos.
No Botswana são depreciativamente chamados «Basarwa» (aqueles que não fazem criação de gado). "Imundo como um bosquímano" é um insulto vulgar.
Rapaz san treinando o arco e a flecha
Contudo, os bosquímanos fascinam os antropólogos com a sua extraordinária capacidade de sobrevivência e riqueza de tradições. As suas danças com rituais curativos e as pinturas rupestres milenárias transformaram-se em ícones culturais africanos. Ironicamente, o logotipo do parque nacional do Botswana é uma pintura bosquímana.
Em 1961, o regime colonial britânico formou a Reserva do Kalahari expressamente para proteger o habitat, a fauna e o estilo de vida único dos seus residentes: os bosquímanos. Quando o Botswana se tornou independente, em 1964, a sua Constituição proibia que outros povos além dos san se instalassem na reserva.
Maior do que a Dinamarca, com os seus 52.600 quilómetros quadrados, a reserva é uma das zonas de África mais remotas e mais preservadas, uma savana de capim macio e manadas de antílopes.
Existem igualmente reservas diamantíferas. O grupo de defesa dos povos indígenas Survival International,com sede no Reino Unido, considera que os bosquímanos são realojados para permitir a exploração dos diamantes pelo Governo, em sociedade com a empresa sul-africana De Beers. O Governo diz que a exploração dos depósitos diamantíferos da reserva não seria rentável.
Separados do seu estilo de vida e das campas dos seus antepassados, que consideram ter um poder curativo, os bosquímanos viraram-se para o álcool, para a mendicidade e para a prostituição. A tuberculose e a sida instalaram-se. A sua cultura foi desvalorizada, a sua auto-estima baixou.
O realojamento forçado de cerca de 2500 residentes da reserva deu origem a protestos internacionais e manchou a imagem do Botswana como país democrático.
Na primeira acção de realojamento, em 1997, 1740 pessoas foram transferidas para os colonatos de New Xade e Kaudwane.
A New Xade os san chamam "lugar da morte". A vegetação rasteira em redor não tem nada que seja comestível, nem fauna. Apesar do hospital acabado de construir, das escolas e das casas dos funcionários governamentais - os san vivem em palhotas -, New Xade é um lugar desolado e juncado de lixo. A polícia patrulha os bares sórdidos onde as pessoas bebem cerveja desde manhã e vigia as filas para receber embalagens de alimentos.
Em 2004, os residentes apedrejaram a polícia, que tinha prendido cinco homens por caça furtiva de um kudu (antílope grande) no interior da Reserva. A caça é sagrada para os bosquímanos. «O desenvolvimento que o Governo nos oferece não inclui nada daquilo que nos orgulhamos», diz Gakelebone. «No mato sabemos como sustentar a família, mas no New Xade dependemos de esmolas».
A vizinha África do Sul reconhece os direitos dos povos autóctones e devolveu terras à comunidade Khomani San.
Mas o Botswana não reconhece os san como primeiros habitantes. «As normas internacionais reconhecem o direito dos primeiros povos à sua cultura e à sua terra», diz o advogado Roger Chennels, que representou os Khomani San. «Isto é um caso exemplar em África de justiça para povos autóctones». Aqui se incluem também os pigmeus da África Central e os caçadores da África Oriental.
Regresso às terras de onde foram expulsos
O destino do estilo tradicional de vida deste povo dependia de uma acção judicial que começou a ser analisada em julho de 2004 pela Justiça do Botswana. Três juízes decidiram se os san teriam ou não direito a viver de modo tradicional na sua terra ancestral, na Reserva de Caça do Kalahari Central (RCKC).
E finalmente, em finais do ano passado, um tribunal do Botswana calculou que mais de mil bosquímanos haviam sido injustamente expulsos da Reserva de Kalahari e concedeu-lhes permissão para o regresso a uma terra que ocupavam há 20 mil anos, por dois votos a um.
Assim, a partir de então, chegada cada alvorada, homens, mulheres e crianças de novo se espalham pela savana à procura de alimentos, como fazem há pelo menos 20 mil anos. O Kalahari não tem segredos para os caçadores-recolectores da etnia san, também chamados bosquímanos. Em poucos metros quadrados descobrem raízes alimentícias, escaravelhos comestíveis, folhas medicinais e água em tubérculos suculentos. Até o veneno de escorpião é utilizado para molhar a ponta das flechas destes mestres caçadores.
Eles nada mais queriam do que regressar a casa, colher o que a Natureza lhes dá e caçar, para viver em paz como sempre fizeram.
Fontes: "Survival International Tribe" ; Expresso; El País; Textos de Mercedes Sayagues adaptados por Jorge G.; Fotografias de Stephen Corry/SURVIVAL.
Publicação nº461 - J.G.