"Na vida de hoje, o mundo só pertence aos estúpidos, aos insensíveis e aos agitados. O direito a viver e a triunfar conquista-se hoje quase pelos mesmos processos por que se conquista o internamento num manicómio: a incapacidade de pensar, a amoralidade e a hiperexcitação" - Bernardo Soares
Serão tantas as razões que conduzem à criação de um blogue que me dispenso de as querer conhecer.
Fico com as minhas, e de vez em quando interrogo-me se as que agora tenho são as mesmas de quando comecei.
Ao longo da caminhada, vi-me a escrever para plateias de cadeiras vazias e para outras que, cheias de gente, não me ouviam nem me viam. Às primeiras franqueei as portas e às outras tive que despertar.
Atravessei só uma mancha enevoada que não permitia ver quem entrava. E foram-se ocupando as cadeiras.
Um dia, acenderam-se as luzes e observei que a sala enchera, muda, esperando pelo início do espectáculo, feita de rostos fechados, curiosos, tranquilos, excitados, juízes, comparsas, mas ainda assim envoltos numa espécie de onda térmica que lhes revelava apenas os contornos e aquecia a sala.
Avancei um passo no palco e finalmente o espectáculo começou.
Desde então várias peças têm subido à cena. Mudam-se cenários e espectadores. Apenas o actor não muda, insensível ao desgaste, resistente aos críticos, obstinado na utilidade e clareza das mensagens, atento às marcações nas tábuas, tropeçando em novelos invisíveis para se levantar de seguida, aprendendo com os seus erros, entregando-se.
Em cada noite, o balanço do som das palmas e dos assobios, umas e outras sentidas e não vividas.
Espectadores fortuitos, temporários, de sempre, foram entrando e ocupando os lugares por livre escolha.
Uns, não voltaram porque não pretendiam voltar; outros porque a vida os levou para diferentes deveres e caminhos; outros ainda, desapareceram um dia, sem que se saibam os porquês; houve gente que entrou, entretanto, ao ver a porta aberta; alguns, não muitos, sentam-se nas filas mais próximas do palco e prosseguem na sua observação atenta dos movimentos de cena e do trabalho do actor.
Alegram-se e sofrem com ele e atiram-lhe com palavras ou vivem com sentimento contido as falas e os murmúrios de cada sessão.
Em cada dia, uma plateia distinta, enquanto no palco permanece a mesma vontade de comunicar de um criador de imagens e produtor de sonhos.
Palmas, loas, assobios, flores ou espinhos, meros momentos, não mais que a exteriorização de sentimentos de ocasião, verdadeiros enquanto duram. E é desta verdade que se alimenta um actor. Para o qual o passado não existe e o presente é tão só o passado do futuro. Onde não entre a mesquinhez, a ausência de ética e o apressado ritmo de julgar o mundo.
Obrigado!
Caspar David Friedrich (1774-1840) - Wanderer above the sea of fog - 1818
Texto de Jorge G. - Publicação nº 451
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