No prefácio do seu “Roteiros IX”, uma espécie de relatório anual
de actividades do Presidente, Cavaco Silva vem justificar a concordância de
Portugal em aceitar a Guiné Equatorial como membro da Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa em Julho de 2014, na Cimeira de Dili.
Este país, governado por um ditador - Teodoro Obiang Nguema
Mbasogo - tem um dos piores registos de direitos humanos no mundo, e
consegue ser o "pior entre os piores" no ranking da pesquisa anual da
Freedom House de direitos políticos e civis. Repórteres classificam o
presidente Obiang como um dos "predadores" da liberdade de imprensa. O
tráfico de pessoas é um problema significativo, de acordo com o "US
Trafficking in Persons Report", de 2012, que afirma que "a Guiné
Equatorial é uma fonte e destino para mulheres e crianças vítimas de trabalho
forçado e tráfico de sexo."
Desde meados dos anos 1990, a Guiné Equatorial tornou-se um
dos maiores produtores de petróleo do sub-Saara. Contudo, poucas foram as
pessoas beneficiadas com a riqueza do petróleo. Em 2014, o país ocupava a 144ª
posição do Índice de Desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas e,
segundo esta mesma organização, menos de metade da população tem acesso a água
potável e 20% das crianças morrem antes de completar cinco anos.
Apoiada por outros países dessa CPLP que o Sr. Presidente qualifica
como “um activo estratégico” para o nosso país comparando-o à Commonwealth para
o Reino Unido e à Organização da Francofonia para a França, a Guiné Equatorial
teria já introduzido a Língua Portuguesa como uma das línguas oficiais, a par do
espanhol e do francês e aprovado uma moratória sobre a pena de morte que
vigorava naquele país.
Na verdade, os idiomas mais falados na Guiné Equatorial, o
fang e o pidgin inglês, não são línguas oficiais. Apesar de a Guiné Equatorial
ter decretado a língua francesa e, mais recentemente, a portuguesa como línguas
oficiais, elas não são faladas no território. Interessante, pois, que este país
faça parte de uma Comunidade de falantes do português.
A Human Rights Watch e a Amnistia Internacional, entre
outras organizações não governamentais, têm documentado graves violações de
direitos humanos nas prisões, incluindo a tortura, espancamentos, mortes
inexplicáveis e detenção ilegal. Ora,
Obiang apresentou uma moratória sobre a pena de morte e uma moratória é a
suspensão de uma actividade durante determinado período, diferente, portanto, de
uma efectiva abolição.
Cavaco Silva justificou ainda a posição portuguesa com
argumentos como a necessidade de não prejudicar a cimeira de Dili aos
timorenses e ao receio de que uma oposição unilateral pudesse vir a constituir
um golpe mortal no futuro da própria CPLP. Assim, vendeu a Língua – uma parte
da soberania nacional - fechou os olhos
e engoliu o sapo equatorial em prol de uma comunidade cuja utilidade se tem
revelado nula e cujos resultados se podem resumir ao despudorado Acordo
Ortográfico que até muitos dos membros não seguem.
Mais um triste episódio da chamada política externa (qual
política externa?) do país.
- um texto de opinião de Jorge P. Guedes, 14 Março 2015 (Por
opção não escrevo segundo o mais recente A.O.)
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