Vivemos o tempo da descambadela total da vida pública para o
reles. Um vazio nos discursos, nas estratégias, nas explicações que o não são,
na confusão reinante entre as palavras de uns e de outros membros de um mesmo
governo, um nada no respeito pela verdade e o descarregar de culpas sobre os
amigos que o eram e já não são.
Assistimos à detenção de um director e de um chefe de
serviço do centro distrital de Lisboa da Segurança Social, suspeitos de vender
falsas declarações a dezenas de empresas de modo a que as mesmas pudessem
apresentar-se de forma fraudulenta a concursos públicos e à detenção de um ex-inspector
da PJ suspeito de associação criminosa ao passar informação sobre possíveis
vítimas a um grupo de criminosos composto por polícias e ladrões. Soubemos das
21 desobediências ao Banco de Portugal e 4 actos de gestão ruinosa de um
banqueiro e soubemos da polémica na CML sobre os benefícios a conceder a um
clube desportivo. Assistimos, estupefactos, ao gozo de Zeinal Bava na
inquirição da comissão de deputados da República. Ouvimos, ainda, um PM afirmar
que não pagou impostos devidos por esquecimento e que não se compara a um
ex-governante detido; ouvimos um
presidente da República responder aos jornalistas que o assunto “Passos Coelho”
era para ser comentado pelos comentadores, não por ele, e que já havia um
cheiro a eleições…
Pois bem. Nós não somos a Grécia, enchem o papo e piam os
berloques da Frau Merkel. O que nunca seremos é a Suécia enquanto no poder
estiverem os formatados nas jotas dos partidos do costume e a rebaldaria dos
actos indignos e ignaros dos políticos não tiver fim. Em Outubro de 2006 foi
descoberto que a ministra da Cultura do governo sueco, durante uns anos, se
tinha esquivado da sua obrigação de pagar a taxa de licença de televisão,
qualquer coisa como 2.861 Euros. Admitindo o erro, demitiu-se de imediato do
governo e invocou como motivo que a falha em cumprir estas obrigações "não
era aceitável". Algum dia seremos a Suécia?!
Contudo, há que dizê-lo, nos últimos 30 anos vários dos
nossos governantes caíram motivados por suspeições, declarações impróprias,
polémicas várias que vieram a público. Relembro Francisco Sousa Tavares, em
1985, que suspendeu o cargo de ministro por ser suspeito de ilícitos cambiais,
vindo a ser absolvido. Recordo Carlos Borrego que contou uma anedota sobre os
doentes em hemodiálise em Évora e foi demitido por Cavaco. António Vitorino
saiu do governo após notícias de que não pagara a sisa de uma casa, facto nunca
provado. Jorge Coelho, ministro do Equipamento Social do executivo de Guterres,
demitiu-se após a queda da Ponte de Entre-os-Rios. Pina Moura alegou falta de
condições políticas para as suas 50 medidas de corte na despesa pública e
foi-se embora. Daniel Bessa, ministro da Economia, Indústria, Comércio e
Turismo do XIII Governo Constitucional liderado por Guterres, caiu depois da
polémica do fecho dos hipermercados ao domingo. Manuel Pinho teve de abandonar a
pasta da Economia em virtude dos gestos impróprios que em plena AR dirigiu ao
deputado Bernardino Soares. Miguel Relvas tramou-se por mentir na AR e ter pressionado
um jornalista e cai definitivamente por causa da rábula da sua licenciatura na
Lusófona. Miguel Macedo demitiu-se por ilegalidades na atribuição de Vistos
Gold que diminuíram a sua “autoridade
política”.
Outros houve: Walter Rosa, que saiu de ministro da Indústria
depois do seu filho João ter assaltado um banco; Figueiredo Lopes saiu em
1985 por alegadas irregularidades como secretário de estado do Orçamento em
1980; e ainda outros por razões várias – Veiga Simão, Armando Vara, Fernando
Gomes, Alberto Costa, Pedro Lynce, Martins da Cruz, Isaltino Morais, Henrique
Chaves, Vítor Gaspar. Nenhum se demitiu ou foi demitido por dívidas à Segurança
Social durante 5 anos por esquecimento. Mas o certo é que cessaram funções, por
infracções graves ou menos graves. Agora, por mais atabalhoadas explicações que
o actual PM dê, com arrogância primeiro ou pretensa humildade depois, a sua
falha é inadmissível - até porque soube
da dívida em 2012 - e seria de todo passível de demissão de funções.
Num país a sério, os cargos públicos são levados muito a
sério e são os próprios prevaricadores que imediatamente apresentam a sua
demissão pela simples falta de pagamento de uma qualquer taxa de televisão. A
idoneidade e o exemplo vêm de cima, sempre, nos países em que a democracia não
é rótulo de fachada. Aí, não se faz a apologia do reles.
- um texto de opinião de Jorge P. Guedes, 08 Março 2015 (Por opção não escrevo segundo o
mais recente A.O.)