EU PAGO, TU PAGAS, ELE DESCONHECE
Têm sido vários, nos últimos dias, os relatos de cidadãos
com dívidas acumuladas de juros de mora às costas porque não pagaram
atempadamente uns poucos euros devidos por coimas aplicadas pela falta de
pagamento nas auto-estradas ou por pequenas dívidas fiscais.
Sabe-se que muitos dos penhorados são pessoas idosas que vivem
sós e não têm por hábito ir diariamente à caixa do correio e outros que se
encontram ausentes do domicílio, doentes em casa ou hospitalizados. O Fisco é cego e, como o maior dos cegos,
não quer ver. É uma máquina que actua sem olhar a quem nem como. Quantos de nós
não fomos já contemplados com a frase com que um qualquer funcionário das Finanças
nos corta a capacidade de argumentar: -
Meu amigo, o desconhecimento da lei não
aproveita a ninguém”, ou seja, a ignorância de um facto legal não isenta
ninguém do seu cumprimento. Razoável este preceito, não isentando ninguém com o
mero argumento do desconhecimento dos
factos.
Ora, o problema não está no conceito “ignorantia legis
neminem excusat” mas na sua aplicação. Os faltosos ao pagamento atempado
deverão ser notificados de imediato, digamos no máximo de 30 dias, pelos
respectivos serviços das entidades credoras. Não se pode de nenhum modo admitir
que, por desconhecimento da dívida, esta possa permanecer sujeita a pagamento
de juros de mora até que um dia, passados anos e com pesados juros de mora, o devedor seja
notificado. E se este é um membro do governo, como agora sucedeu com Passos Coelho,
é absolutamente inadmissível que invoque o desconhecimento sobre uma dívida de que
o próprio afirmou ter tomado conhecimento por terceiros, no caso um jornalista.
É que a prescrição da dívida por ignorância do devedor e a sua regularização
voluntária após a prescrição é algo dificilmente explicável. E se o jornalista não tivesse questionado o PM
a propósito? E se este, como já se diz, não tivesse solicitado a regularização voluntária
da sua dívida prescrita?
Na verdade, parece existir uma inconciliação entre o direito
do devedor a ser informado de que o é e o do credor a ser ressarcido. O credor deve avisar
antes de cobrar com juros quando lhe apetecer e nunca deixar prescrever a
divida. É que para o comum dos contribuintes as dívidas ao Fisco nunca são
deixadas prescrever. Igualdade de tratamento, exige-se.
- um texto de opinião de Jorge P. Guedes – Março 2015
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