Reunião no Le Procope no século XVIII
Desenho de M.Kretz com imagens de famosos Iluministas
Terão sido os turcos, mais provavelmente já no séc.XVI, que introduziram o café na Europa e várias são as versões sobre a origem da sua descoberta como bebida.
Desde um testemunho escrito de António Fausto Nairone, monge e professor de teologia na Sorbonne no princípio do século XVII, que refere um velho padre católico de um mosteiro perto do Mar Morto que ficara curioso ao ver o desassossego das cabras que pastavam nas colinas fronteiras, depois de haverem comido umas folhas verde-escuras, duras e brilhantes de um arbusto baixo, com bagas violetas em forma de pequenas cerejas, até uma versão dos persas que faz parte dos seus contos tradicionais e que dizque, em certa ocasião, Maomé ficou doente. Sentia-se fraco e dominado por estranha letargia. Nenhum tratamento resultava e
parecia atacado por incurável maleita. Então, o Arcanjo Gabriel deu-lhe a beber um líquido desconhecido e logo o Profeta recuperou.
E com vigor tal que não só "derrotou quarenta ferozes guerreiros como ainda possuiu quarenta mulheres."
A partir de então, devido à proibição de bebidas alcoólicas pela religião maometana, o café adquiriu entre os persas o estatuto de bebida do Profeta; o «vinho do Islão». E o hábito de o beber tomou-se quotidiano.
Tal surpreendia os viajantes europeus do séc.XVI a terras do império otomano, que se mostravam ainda mais estupefactos perante o convívio que viam produzir-se em volta de uma bebida quente e negra que passava em chávenas de mão em mão.
Desde a Etiópia ao Iémen, o café era produzido em grande escala, sendo o Cairo o principal distribuidor do produto.
Para manterem o monopólio da rubiácea, os árabes só permitiam a exportação dos grãos previamente fervidos, pretendendo assim impedir que a planta germinasse noutros locais. Porém, os holandeses fariam plantações desde Java às Antilhas,
de onde trouxeram a matéria-prima para a Europa.
Inicialmente, os europeus apenas utilizavam o café como remédio e só no séc XVII o começaram a empregar como bebida, facto que a princípio desagradou à Igreja tentando os mais conservadores levar o Papa Clemente VII a condenar o café como sendo "uma invenção de Satanás".
O Papa, contudo, provou e respondeu: "Esta bebida é tão deliciosa que seria um pecado deixá-la somente para os infiéis.
Vençamos Satanás dando-lhe a nossa bênção e tornando-a verdadeiramente cristã."
Então, sim, o café alargou-se a grande parte da Europa no séc XVII, começando a surgir um grande número de estabelecimentos de venda em Veneza e em Génova, alargando-se às "coffee houses" londrinas e aos cafés parisienses, como o célebre Procope, fundado em 1675 por um italiano ex-vendedor ambulante de café - Francesco Procopio Dei Coltelli e que ainda subsiste, bem-haja o bom-senso!
Nunca mais parou de crescer o hábito de conviver à volta de uma mesa entre umas chávenas de café, bebida apreciada por gente de todas as classes e a que Bach conferiu uma composição, "A Cantata do Café".
Por Paris, Viena, Budapest, Lisboa, inúmeros cafés ficaram celebrizados, quer pelos seus frequentadores - artistas de todos os géneros, intelectuais,
políticos - quer ainda pelas manifestações culturais que muitos deles ofereciam.
Café Chave d'Ouro equipado com mobiliário Bauhaus, moderníssimo para a época.
Entre nós, muitos e famosos cafés, como o Majestic, no Porto; o Café de Sta Cruz, em Coimbra; e em Lisboa o Nicola "de Bocage", o Marrare, a Brasileira do Chiado, o S. Martinho da Arcada, o Gelo, o Vavá, o Montecarlo, último bastião das tertúlias lisboetas desaparecido em 1995,... todos foram poisos habituais dos grandes vultos das letras e das artes, e das conspirações e das revoluções das suas épocas.
E um houve, o Chave d'Ouro, aberto em 1916 no Rossio da capital, que ficou na história por ter sido palco da célebre conferência de imprensa em que Humberto Delgado, a 10 de Maio de 1958, anunciou que demitiria Salazar se fosse eleito.
Um dos 14 residentes peludos do Café Calico, em Tóquio
Actualmente os cafés tradicionais estão em vias de extinção, mas já surgiram novas ideias para a reabilitação do conceito de café como local de repouso e de tranquila reflexão.
Falo de 3 cafés já existentes em Tóquio, os "Cat Cafés", que se distinguem pela presença livre de gatos caseiros que servem de companhia e de tranquilizante panaceia do stress enquanto se deixam mimar e afagar pelos clientes. O êxito tem sido enorme entre os japoneses.
(Nota: as severas leis habitacionais da capital japonesa levam muitas pessoas a não poder ter animais em suas casas).- Jorge G.Fontes: Sousa Bastos - "Lisboa Velha, Setenta Anos de Recordações" ; Gérard-Georges Lemaire - "Les Cafés Littéraires", Paris, 1977.