quinta-feira, 18 de outubro de 2007
A propósito do "Dia Mundial da Caridadezinha"
Quiseram que ontem, 17 de Outubro, fosse "o Dia Mundial para a Erradicação da Pobreza". Os jornais de hoje, nas suas primeiras páginas, não dão qualquer notícia do acontecimento. Esta capa do DN é um mero exemplo.
Por cá, juntaram-se na Alameda da Universidade de Lisboa, umas poucas centenas de estudantes.
Houve também gente dos blogues que andou a convidar, blogue a blogue, para uma reunião em sua "casa" para "um assinalar conjunto do dia contra a pobreza". E chegaram até à centena os convidados presentes.
Haverá quem diga que foi boa a intenção, outros dirão que foi oportunismo demagógico para aumentar o número de visitantes.
Animado de boa-fé, também lá estive. Mea culpa est!
Lá por fora, A ONU e organizações não governamentais reuniram-se em Genebra, onde destacaram durante as cerimónias a necessidade de criar uma sólida corrente de solidariedade internacional para lutar contra o problema, que atinge mais de 800 milhões de pessoas.
A vigésima celebração da jornada foi realizada no Palácio das Nações de Genebra, em associação com a ONG Quarto Mundo, e com a participação de entidades de direitos humanos de países do Terceiro Mundo. O director-geral da Organização Internacional do Trabalho, Juan Somavia, reiterou que "a via sustentável para a erradicação da pobreza é através da oportunidade e da recompensa de um trabalho decente".
---»«--- Mas no próprio dia 17, o DN, trazia um trabalho assinado por Maria João Caetano, de que deixo um excerto:
Na Comunidade Vida e Paz, todas as noites, três carrinhas circulam pela cidade de Lisboa para levar algum conforto aos sem-abrigo. "É muito mais fácil do que se pensa chegar a "sem-abrigo". Se não se tiver uma estrutura familiar, às vezes basta um divórcio ou ficar sem emprego. As pessoas não estão preparadas para lidar com a situação, tomam uma decisão errada, é uma bola de neve", explica a voluntária Elisabete Cardoso.
Um levantamento da Câmara de Lisboa, realizado em 2000, dava conta de pelo menos 1275 pessoas que moravam em permanência nas ruas da capital. A estes juntam-se aqueles que, tendo um tecto, não têm, no entanto, rendimentos suficientes para assegurar a sua subsistência, pelo que estão dependentes de ajudas. De acordo com o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento realizado em 2005, 19% da população portuguesa vivia "em risco de pobreza". Este valor correspondia à proporção dos habitantes com rendimentos anuais por adulto inferiores a 4321 euros (cerca de 360 euros por mês). Os idosos com 65 ou mais anos são o grupo de mais risco, mas se há coisa que as pessoas que trabalham nesta área já aprenderam é que ninguém está a salvo. Isabel Jonet, do Banco Alimentar Contra Fome, admite que no ano passado 216 mil pessoas beneficiaram desta ajuda em todo o País.
"Comunidade Vida e Paz, viemos trazer-lhe comida." O anúncio é quase sussurrado pelo voluntário, que aguarda um movimento debaixo dos cartões. Uma cabeça surge por entre o cobertor. A mão estendida para agarrar o saco. Duas sandes, dois iogurtes, uma laranja. A voz ensonada derrama um obrigado e logo o corpo desaparece por entre os caixotes.
"Às vezes nem acordam", conta o voluntário Pedro Melo. Mas isso não impede o trabalho das equipas. Os locais onde há sem-abrigo estão assinalados nas suas rotas - nos recantos dos prédios, por baixo de escadarias, em arcadas protectoras. Mais cedo ou mais tarde, a carrinha aparece. Às vezes nem acordam e o saquinho fica lá, como um presente deixado por um anjo para um despertar melhor. Outras vezes, o sono é interrompido para conversar, pedir um cigarro, perguntar se por acaso não terão um casaco, calças, sapatos. Os voluntários não se esquivam aos abraços nem às conversas. Estão atentos aos rostos novos, querem saber as suas histórias e estão sempre dispostos a ouvir. Às três da manhã, nos Restauradores, um homem insiste em contar a sua vida. Mais de meia hora depois, ainda todos o ouvem. "Se não formos nós com quem vai ele falar?" Não é com boas intenções nem discursos de fachada em altas reuniões regadas de Champagne, não é com "manifs blogueiras" ou de outra ordem, é no terreno e com o trabalho diário de gente solidária e pouco mais do que anónima que se vão minorando os males da miséria humana. A solidariedade não se anuncia, pratica-se. O resto é pouco mais do que conversa politicamente correcta, fogo-de-artifício na festa da caridadezinha. Pelo que me toca digo: Mea culpa est!
Publicação nº 482 - Jorge P.G.
Sino tocado em
outubro 18, 2007 -
26 comentários
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