Já se passaram 13 anos desde que foi denunciado o primeiro de uma extensa listas de assassinatos de mulheres na cidade mexicana de Ciudad Juárez e o número de vítimas continua a crescer, perante a impunidade. Ainda que se desconheça o total exacto e não haja números oficiais de mortas, as organizações civis falam de mais de 400 e de umas 4 500 desaparecidas.
Oito cruzes rosa recordam outras tantas jovens encontradas num descampado deste enclave fronteiriço.
Há mortas de todas as idades e profissões, mas na maioria eram morenas, jovens, altas, magras e de cabelo comprido. Muitas trabalhavam numa das centenas de maquilas (empresas de montagem que se encarregam de parte do processo de fabrico de um produto para outra marca comercial) que alimentam a economia da cidade.
Estas similitudes, ligadas ao facto de grande parte dos cadáveres aparecerem mutilados, com sinais de agressões físicas e sexuais, e alguns com um triângulo gravado na nuca, levantam todo o tipo de hipóteses sobre a origem dos crimes. Tráfico de órgãos, filmes de assassinatos em directo ("snuff movies"), narcotráfico, satanismo, prostituição e violência machista são algumas delas... Mas, o que ou quem está por detrás destas mortes? O enigma continua por resolver.
Pobreza e exclusão. Cerca de 50 000 imigrantes rumam todos os anos desde diferentes estados mexicanos até Ciudad Juárez atraídos pela oferta laboral das "maquilas" e o sonho de passar a fronteira para os Estados Unidos em busca de uma vida melhor.
A maioria reside em casas de lata e papelão, dispersas pelos subúrbios periféricos carentes de serviços básicos, no meio do deserto, onde só chegam os autocarros das fábricas à procura de mão-de-obra barata. De um destes bairros infra-humanos, Lomas de Poleo, saíram um dia algumas das vítimas, e jamais voltaram.
A ineficácia das autoridades mexicanas para garantir a segurança das mulheres de Juárez e resolver estes crimes levou as mães das vítimas a constituir diversas associações com um objectivo comum : que se faça justiça. Até agora, os únicos detidos têm sido falsos culpados fabricados com provas inexistentes, para calar a opinião pública e as organizações civis que apontam a Polícia e os tribunais como responsáveis pela impunidade que rodeia estes homicídios. Muitas famílias ainda não recuperaram as suas filhas, outras esperam pelos seus corpos, pendentes de que se lhes faça a prova do ADN, e a maior parte teve que suportar o modo como as autoridades têm tentado lançar poeira sobre o assunto, dizendo que as falecidas eram prostitutas ou drogadas.
A pressão internacional obrigou o Governo mexicano a tomar medidas e, nos finais de 2005, criou uma comissão parlamentar especial, encarregada de investigar o que a sua presidente, a deputada Marcela Lagarde, denominou de "feminicídios": assassinatos sistemáticos de mulheres, caracterizados por uma extrema crueldade. O seu trabalho viu-se dificultado pela falta de meios, técnicos e pessoais, mas está disposta a levar o caso ao Tribunal Internacional de Haia para que estes homicídios sejam considerados crimes contra a Humanidade. A Comissão Especial de Feminicídios elaborou diversos projectos legislativos para acabar com a falta de defesa feminina.
Os assassínios de Ciudad Juárez proporcionaram material suficiente para encher numerosos livros sobre o tema, fazer vários filmes e inspirar canções. Entre os livros destacam-se "Las muertas de Juárez", de Víctor Ronquillo; "Huesos en el desierto", de Sergio González Rodríguez; "Cosecha de mujeres", de Diana Washington; e "He visto al diablo de frente", de Maud Tabachnik. Dos trabalhos cinematográficos, cabe citar os documentários "Desierto de esperanza", de Cristina Michaus, e "Señorita extraviada", de Lourdes Portillo. Os feminicídios são também abordados nos filmes "La Virgen de Juárez", de Kevin James Dobson, e em "Bordertown", de Gregory Nava, protagonizado por Antonio Banderas e Jennifer López.
NEM UMA MAIS! Apesar dos cartazes com esta legenda que se vêem em algumas ruas, só em 2005 foram encontrados outros 31 cadáveres. Ciudad Juárez, tristemente famosa pelo rasto sangrento dos seus crimes, quer voltar uma página e deixar de lado o estigma que a identifica desde há mais de uma década. Este cartaz na praça central da cidade pede respeito por todas as mulheres e entoa um canto à vida.
Adaptado e traduzido do espanhol por Jorge G
Publicação nº 160 - jorgg