O homem é, indubitavelmente, um fenómeno!
A maior prova viva, e à solta, da promiscuidade entre a política e o mundo subterrâneo do futebol está aí e tem um nome: João Valle e Azevedo.
Estávamos em 1997 e o clube dos "seis milhões de adeptos" via renascer uma onda sem par de esperança no regresso das antigas noites de glória à Catedral da Luz.
Em Outubro, foi eleito Presidente um advogado de Lisboa pouco conhecido nos meios da bola, mas com nome feito na praça.
Com uma campanha à americana, feita de grandes frases e bombásticas promessas, Valle e Azevedo depressa se tornou no Messias para os adeptos do Glorioso, bem como para os vendedores de papel dos diários desportivos.
Este homem fora, em jovem, colaborador político de Pinto Balsemão e apresentava-se como um advogado de negócios vencedor, especializado na chamada engenharia financeira e em economia internacional de off-shore, possuindo um admirável discurso populista e mobilizador do proletariado mais básico, no fundo a grande massa adepta do SLB.
Durante o tempo do seu mandato, uns dois ou três anos, comprou e vendeu mais jogadores do que o clube contrataria normalmente em três ou quatro épocas; rasgou contratos assumidos por anteriores direcções e assinou outros "muito mais vantajosos"; afrontou o Poder futeboleiro do inimigo das Antas; prometeu a Lua e, mais do que isso, "um Benfica a jogar à Benfica". Até o azul de que vestiu os jogadores em dada altura era, segundo ele conseguiu fazer o seu povão acreditar, um "azul à Benfica". Empolgante e inabalável haveria de ser o caminho benfiquista com o grande novo timoneiro da nau encarnada.
Porém, caído em desgraça pela falta dos resultados anunciados, a sua boa estrela foi empalidecendo e Valle e Azevedo foi apeado do cadeirão. Os "índios" da tribo correram com ele, que passou de deus a renegado.
Principiaram então os seus encontros e desencontros com a justiça, curiosamente apenas depois de deixar de ser o Presidente de 6 milhões de portugueses!
Continuou a encher páginas e telejornais, mas desta feita para se lhe conhecerem as tropelias, os desvios à lei, os julgamentos, as condenações.
Recordista de "tempo em liberdade", com uns 30 segundos da mesma antes de ser preso de novo, Azevedo cumpriu pena por alguns dos crimes provados.
Emigrou para Inglaterra, onde encontrou lugar à sua altura de grande gestor de negócios.
Portugal inteiro pôde ver a maravilhosa casa onde residia, num dos bairros mais chiques de Londres, e a limousine em que se deslocava com chauffeur à ordem.
Mas foi igualmente noticiado que, afinal, havia mais crimes que lhe eram imputados no país que o viu nascer e que durante o seu mandato como Presidente do Benfica nunca o incomodara.
Pedida a sua extradição a Londres, de lá não vieram sinais absolutos de um "sim".
O homem voltou a dar entrevistas à Comunicação Social portuguesa e numa, célebre, à TV, afirmou claro e bom som: "Sou um perseguido pela justiça portuguesa como não há outro ! Nunca a ela fugi e não será agora que o farei, mas é indecorosa esta perseguição que me fazem." Queria ele dizer: Só eu?! Porquê só eu? E os outros?
O certo é que dele se sabe pouco actualmente para além de que contra si terá sido emitido um novo mandado de captura e a extradição concedida, segundo os jornais.
Viverá ainda em Londres? Na Grã-Bretanha? Onde pára, afinal, Valle e Azevedo? Estará ele, bom cristão e artesão, a fazer brinquedos na Loja do Pai Natal?
O homem é, mesmo, um fenómeno!
E nem me dou ao trabalho de ir ver quem era o Primeiro-Ministro (Guterres, ao que julgo), o Ministro da Justiça, o Chefe das polícias, o Secretário de Estado do Desporto,... nos tempos do reinado valliano.
Para quê?!
Os animais são todos iguais, só que (durante uns curtos períodos de anos) uns são mais iguais do que outros. - George Orwell
Nota 1 - Afinal, não resisti e fui informar-me de quem mandava na época.
O Primeiro-Ministro era, realmente, Guterres. E nesse ano de 1997 houve uma remodelação no Governo: António Costa passou a Ministro dos Assuntos Parlamentares (23 de Novembro); Jorge Coelho na Administração Interna; Pina Moura na Economia; Veiga Simão na Defesa Nacional; Ferro Rodrigues passou a acumular a pasta do Emprego e, "last but not the least"... José Sócrates tornou-se Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro.
Saíram António Vitorino, Maria João Rodrigues, Augusto Mateus e Alberto Costa. António Vitorino demitiu-se depois de ter sido acusado de irregularidades fiscais na aquisição de um imóvel.
Nota 2 - Perante os múltiplos e bem actuais casos de suspeição de fraudes de que vamos tendo informação, cabe-me perguntar se Valle e Azevedo não terá razão quando diz que o escolheram para bode expiatório de todos os crimes de colarinho branco do país.
Publicação nº 650 de "O SINO DA ALDEIA" - Jorge P.G.