"SONETO DE TODAS AS PUTAS"
Não lamentes, oh Nise, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putíssimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas têm reinado:
Dido foi puta, e puta d'um soldado;
Cleópatra por puta alcança a c'roa;
Tu, Lucrécia, com toda a tua proa,
O teu cono não passa por honrado:
Essa da Rússia imperatriz famosa,
Que inda há pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:
Todas no mundo dão a sua greta:
Não fiques pois, oh Nise, duvidosa
Que isso de virgo e honra é tudo peta.
NOTA(1): Parte-se do princípio que a Nise a que Bocage se refere neste poema representa todas as putas que conheceu durante a sua vida, e, da mesma maneira que o poeta as juntou a todas para imaginar Nise, façamo-lo também nós!
NOTA(2): Este soneto atribuído ao génio de Bocage é mais um dos que mostram a face mais popular e conhecida deste enorme poeta. Outros trabalhos publiquei que pretendem retratar a verdadeira dimensão universal de um poeta sério e que soube cantar talvez como nenhum outro as misérias humanas, a hipocrisia e a própria dor. Não se considere Bocage, pois, um escritor de segunda categoria e apenas dado a brejeirices e tiques de menino mal-comportado. Ele foi incomensuravelmente maior do que isso!
NOTA(3): Variante sugerida pelo próprio Bocage para o verso oitavo: "Não passa o cono teu por cono honrado". Este soneto suscitou dúvidas sobre a autoria (que alguns atribuem a João Vicente Pimentel Maldonado) e inspirou várias paródias, entre as quais esta
: - Jorge P.G
'SONETO DE TODOS OS CORNOS'
de José Anselmo Correa Henriques
Não lamentes, Alcino, o teu estado,
Corno tem sido muita gente boa;
Corníssimos fidalgos tem Lisboa,
Milhões de vezes cornos têm reinado.
Siqueu foi corno, e corno de um soldado:
Marco Antonio por corno perdeu a c'roa;
Anfitrião com toda a sua proa
Na Fábula não passa por honrado;
Um rei Fernando foi cabrão famoso
(Segundo a antiga letra da gazeta)
E entre mil cornos expirou vaidoso;
Tudo no mundo é sujeito à greta:
Não fiques mais, Alcino, duvidoso
Que isto de ser corno é tudo peta.
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Publicação nº 570 de "O Sino da Aldeia" de J.P.G.