domingo, 30 de dezembro de 2007
A JORGE de SENA !
Poucas vezes apresento poemas de autores consagrados. A sua obra está publicada e quem os quiser ler vá aos livros, porque é nas folhas de papel que mais se sente a poesia.
Mas Jorge de Sena é pouco conhecido em Portugal e ainda menos lido. Cansado das reuniões clandestinas em casa de António Alçada, Sena exilou-se em 1958, com 39 anos, dizendo: "O problema não é salvar Portugal mas salvarmo-nos de Portugal."
O Brasil foi o seu primeiro destino mas rapidamente passou a trabalhar e a viver nos Estados Unidos, até morrer em Junho de 1978. Foi engenheiro de formação académica, poeta, ensaísta, dramaturgo, tradutor, professor. Tido como intolerante e de mau feitio, Jorge de Sena foi acima de tudo um insubmisso que um dia se cansou de viver e de tentar lutar numa paróquia de 90 e tal mil metros quadrados. Maltratado antes e depois de 1974, Sena viveu os seus últimos anos amargurado por não lhe encontrarem nenhuma utilidade em Portugal. Tido como um sem-pátria, a sua dor veio confirmar que também ele, no fundo, amava a terra onde nasceu, embora desprezasse tudo o que nela o obrigou um dia a deixá-la.
Dois meses antes de morrer, em Abril de 1978, recebeu o único convite para o regresso. Surgiu da parte de António Reis, tendo a sua mulher, Mécia de Sena, revelado em Outubro ao DN: "... apesar do estado em que se encontrava, o convite comoveu-o tanto que ainda aventou: «vamos?». Uma espécie de consolação amarga para a tristeza profunda em que viveu desde Abril de 1974 por ninguém lhe ter encontrado utilidade."
- A Jorge de Sena, texto de Jorge G.
A PORTUGAL
Esta é a ditosa pátria minha amada. Não. Nem é ditosa, porque o não merece. Nem minha amada, porque é só madrasta. Nem pátria minha, porque eu não mereço A pouca sorte de nascido nela.
Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta quanto esse arroto de passadas glórias. Amigos meus mais caros tenho nela, saudosamente nela, mas amigos são por serem meus amigos, e mais nada.
Torpe dejecto de romano império; babugem de invasões; salsugem porca de esgoto atlântico; irrisória face de lama, de cobiça, e de vileza, de mesquinhez, de fatua ignorância; terra de escravos, cu pró ar ouvindo ranger no nevoeiro a nau do Encoberto; terra de funcionários e de prostitutas, devotos todos do milagre, castos nas horas vagas de doença oculta; terra de heróis a peso de ouro e sangue, e santos com balcão de secos e molhados no fundo da virtude; terra triste à luz do sol calada, arrebicada, pulha, cheia de afáveis para os estrangeiros que deixam moedas e transportam pulgas, oh pulgas lusitanas, pela Europa; terra de monumentos em que o povo assina a merda o seu anonimato; terra-museu em que se vive ainda, com porcos pela rua, em casas celtiberas; terra de poetas tão sentimentais que o cheiro de um sovaco os põe em transe; terra de pedras esburgadas, secas como esses sentimentos de oito séculos de roubos e patrões, barões ou condes; ó terra de ninguém, ninguém, ninguém: eu te pertenço. És cabra, és badalhoca, és mais que cachorra pelo cio, és peste e fome e guerra e dor de coração. Eu te pertenço mas seres minha, não
- Jorge de Sena -
Publicado já em 1979, este poema terá sido escrito nos finais de 50 ou mesmo nos anos 60. Em cerca de 50 anos, o que mudou radicalmente neste amargo e "anti-patriótico" retrato do Portugal de Sena?
Publicação nº 519 - J.G.
Sino tocado em
dezembro 30, 2007 -
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