Kim Phuc: "O perdão é mais poderoso do que qualquer outra arma"
Kim Phuc, durante um acto no Círculo de Bellas Artes de Madrid.
A fotografia de uma menina correndo espavorida por uma estrada, nua e queimada por napalm foi a imagem da guerra do Vietnam. E a que melhor reflectiu o impacto do conflito na infância.
Em 8 de Junho cumprem-se 35 anos sobre essa data.
A famosa menina é hoje embaixadora da Unesco e dirige uma fundação de auxílio à infância.
Passou 14 meses no hospital e sofreu 17 operações por causa das queimaduras de napalm.
Apesar do tempo decorrido, continua a sofrer de fortes dores em todo o corpo .
"A 8 de Junho de 1972, estávamos todos escondidos no templo. Os soldados escutaram os aviões sobrevoando o lugar e gritaram, "corram, corram!" Corri com os meus irmãos e primos, e quando me dei conta tinha perdido a roupa e a minha pele começava a arder. A dor era tão terrível que perdi a consciência", relatou num perfeito espanhol a actual directora de uma Fundação com o seu nome, e que na altura tinha nove anos.
Kim sofreu queimaduras em 65% do corpo, mas Nick Ut, o fotógrafo vietnamita autor da foto que deu a volta ao mundo e ganhou o Prémio Pulitzer em 1973, recolheu-a, levou-a ao hospital e salvou-lhe a vida.
"Desmaiei com dores"!
"Eu não sabía o que era a dor. Já tinha caído da bicicleta uma ou outra vez, mas o napalm é o pior que se possa imaginar. É queimar-te com gasolina por baixo da pele. Desmaiava de cada vez que as enfermeiras me metiam na banheira e cortavam a pele morta.
Mas não morri. Dentro de mim havia uma menina pequena mas forte, que queria viver".
Se não fossem as cicatrizes que lhe deformam o corpo, ao vê-la hoje com um sorriso permanente e o seu bom humor, ninguém imaginaria o seu drama pessoal.
Mas a recuperação não foi fácil. "Tive pena de mim mesma. Queria vestir camisolas de manga curta e não podia. Olhava para os braços e perguntava, porquê a mim? Cheguei a pensar que não arranjaria namorado nem me casaria, nem poderia ter um bebé", afirma Kim, que assegura que conseguiu superar tudo "graças ao amor da minha família e de Deus".
Uma vez recuperada, o seu primeiro desejo foi voltar à escola. Sonhava ser médica. Contudo, o Governo decidiu convertê-la num ícone propagandístico e teve de interromper os estudos.
"Os soldados vinham buscar-me às aulas para dar entrevistas a jornalistas estrangeiros", explica.
Mas o seu desejo de aprender conseguiu impor-se e obteve permissão para prosseguir estudos na universidade de La Habana, - Cuba. onde aprendeu espanhol. Lá conheceu outro estudante vietnamita, Bui Huy Toan, com quem se casou, indo a Moscovo em lua-de-mel.
No voo de regresso a Cuba, o casal fugiu quando o avião aterrou no Canadá, onde actualmente residem com os seus dois filhos, Tomás e Steven.
Embaixadora da paz
Uma das lições que aprendeu com esta experiência foi a pedir perdão. Só ao falar disso perde o sorriso. "Quando li pela primeira vez as palavras de Jesus "amar aos teus inimigos", não sabia como fazê-lo. Sou humana, sinto dores, tenho muitas cicatrizes e fui vítima durante imenso tempo. Achei que seria impossível. Tive que rezar muito e não foi fácil, mas por fim consegui", afirma emocionada.
Em 1996, a Fundação para a Memória dos Veteranos do Vietnam convidou-a para ir a Washington e ali conheceu um dos pilotos que participaram no bombardeamento de Trang Bang, a sua aldeia. Kim Phuc perdoou-lhe publicamente entre soluços, convertendo-se no símbolo mundial da reconciliação. "O perdão é mais poderoso do que qualquer arma do mundo", afirma.
Em 1967 foi nomeada Embaixadora da Boa Vontade pela UNESCO e em 1997 criou a Fundação Kim Phuc, que se dedica a ajudar as crianças vítimas da guerra e da violência em países como Timor, a Roménia ou o Afeganistão, e a defender a educação como a melhor ferramenta do futuro.
De acordo com a organização "Save the Children" há 39 milhões de crianças afectadas por conflitos armados que não recebem educação, apesar de una formação adequada as poder proteger de males derivados da guerra, como as minas antipessoais ou nos recrutamentos. A campanha da ONG pretende proporcionar educação a 8 milhões de crianças antes de 2010.
A fotografia de Nick Ut controlou a vida desta mulher, frágil por fora, mas com uma vontade interior de ferro. Cansada de tentar escapar, Kim decidiu trabalhar com esta imagem. " A minha fotografia é um símbolo da guerra, mas a minha vida é um símbolo de amor, esperança e perdão".
"Algumas vezes ponho-me a caminhar e canto, para distrair a mente", afirmou esta heroína, que não teve dúvidas em entoar uma melodia vietnamita, perante uma audiência enternecida com as suas palavras.
- Texto de Marta Arroyo do "el mundo", traduzido e adaptado por mim
Publicação nº 388 - J. Sineiro