Uma pausa na política de bolso e regresso a outros tempos e saberes.
Girolamo Savonarola (21-09-1452 /23-05-1498)
Trago hoje uma figura importante na História da actual Itália, e mais propriamente da bela cidade de Firenze, a Florença del fiume Arno, esse rio verde que a banha, testemunha secular da grandeza e do declínio da cidade, a Florença de algumas das mais belas praças de Itália.Pois foi numa destas, na Piazza della Signoria que, em 23 de Maio de 1498, foi enforcado e queimado Girolamo Savonarola, numa fogueira que abriu caminho ao declínio da prestigiada cidade toscana.
Nascido em Ferrara, este monge tornara-se em 1491 prior do convento dominicano de São Marcos, em Florença.
O seu talento de profeta/pregador ultrapassa rapidamente os limites do convento e torna-se o confidente de certos humanistas como Lourenço de Medicis, o senhor Todo-Poderoso da riquíssima cidade.
Mas as pregações inflamadas de Savonarola tornam-se cada vez mais violentas. O prior de são Marcos denuncia os usos e costumes dissolutos da Renascença italiana e a depravação do clero.
Refere-se à Florença dos Medicis, amante da riqueza e das artes, e mais ainda ao papado. Contra o humanismo da Renascença, Savonarola apelo a um regresso ao ascetismo cristão.
Ele exerce uma enorme influência sobre o povo da cidade, mas também sobre a própria burguesia, convencendo uns e outros, com as suas lúgubres profecias, ao retorno a uma maior austeridade. Milhares de ouvintes escutam os seus sermões.
Em 1492 anuncia a morte de Lourenço de Medicis e a do Papa Inocêncio VIII, assim como a eleição de um Papa simoníaco...que será Alexandre VI BORGIA !
Pouco depois prevê uma invasão estrangeira, e eis que em 1494 é anunciada a travessia dos Alpes pelo rei Charles VIII de França à frente de um fortíssimo exército.
Em Florença, todos tentam atrair os favores do poderoso monarca francês e foi assim que Savonarola se encontrou com ele em Pisa e lhe suplicou, não sem uma certa presciência, para organizar um concílio que devolveria a ordem à Igreja.
Pelo seu lado, Pedro II de Medicis, filho e sucessor de Lourenço O Magnífico, procura a aliança francesa para reconquistar a sua autoridade sobre a cidade, o que não consegue, sendo até perseguido pelo povo.
Então, a administração de Florença é confiada a um Grande Conselho sobre o qual Savonarola vai exercer uma severa ditadura moral . Ele não hesita em se apoiar para tal numa rede de espiões e de polícias, de que até crianças faziam parte.
A população divide-se até à delação e à violência entre "arrabiati" ou encolerizados, hostis a Savonarola, e "piagnoni" ou "carpideiras", os seus apaniguados.
Entretanto, os franceses forçam a passagem a 6 de Julho de 1495 em Fornoue e retiram-se da península deixando Savonarola como aliado.
Não obstante o seu enfraquecimento diplomático na cena italiana, Savonarola acentua a sua ditadura.
A 7 de Fevereiro de 1497, organiza, na grande Piazza della Signoria, uma "grande fogueira da vaidade", onde são lançados todos os atributos de luxo: jogos, instrumentos musicais, obras de arte inclusive trabalhos de Boccaccio e de Petrarca...
Muitos artistas são, então, constrangidos ao exílio.
Tal foi demasiado para o Papa Alexandre VI Borgia que excomunga o intolerante prior a 12 de Maio de 1497. E Florença, ameaçada de ser dada como interdita, isto é, de toda a possibilidade de praticar o culto, distancia-se do seu líder.
Convidado pelos rivais da ordem franciscana a submeter-se ao julgamento de Deus, ou seja, ao suplício do fogo, Savonarola sai de cena. A população retira-lhe em definitivo o apoio. É entregue à Inquisição, preso, torturado, condenado e executado junto com dois outros monges. Com 46 anos...
Os florentinos continuaram, depois da sua morte, a viver em República e somente em 1512 o Papa Júlio II reinstalará os Medicis no comando da cidade.
Perto de vinte anos depois do desaparecimento de Savonarola, do outro lado dos Alpes, ao abrigo da vingança papal, um outro reformador lançará, com maior êxito, os seus anátemas contra Roma. O seu nome? Martinho Lutero!
Publicação nº 373 - Jorge G. Sineiro