OS VIOLINISTAS DA NAÇÃO
Manuel Alegre nunca terá sido levado muito a sério, dentro e fora do partido onde sempre militou. Pertencendo à quase extinta raça daqueles para quem o socialismo democrático é uma atitude na vida antes de uma ideologia, Alegre sempre foi visto como um poeta visionário, meio na terra e meio no mundo delirante dos poetas.
As suas intervenções político-partidárias, pouco frequentes, sempre se pautaram pelo rigor à filosofia que esteve na génese da formação do PS: a da liberdade com responsabilidade.
Alegre sempre percebeu que o povo não é estúpido. Pode ser iletrado, inexperiente na análise das decisões políticas e das intenções dos políticos, mas não completamente destituído de raciocínio.
Candidatou-se às últimas eleições para mostrar a Mário Soares que este não era o soba da aldeia. Sabendo que não ia ganhar, fez da sua campanha uma batalha pela verdade e ajudou a derrubar mitos e salvadores da pátria.
Ainda agora, dentro do partido do poder, Alegre mantem-se fiel à sua posição de sempre, a defesa dos valores em que acredita. E fá-lo por dentro, não foge, não abandona o campo de batalha.
Neste XV congresso do PS, mais uma vez, deixou vincada a sua visão do partido e da sociedade em que vive. De forma lúcida e serena, sem poéticas teses, com a verdade que lhe adentra os olhos e não lhe tolhe o raciocínio.
Músico de aldeia, habituado a tocar o rude bombo, Socrates, O José pretendeu aliciá-lo com música de violino em ambiente de festa. Pretendia, assim, colocá-lo mais perto do seu controlo, pondo-lhe amarras na voz.
O convite para que Alegre passasse a integrar os órgãos nacionais do partido foi, naturalmente, recusado pelo velho militante. Por escrito. Como Sócrates nem sequer merece.
"As grandes manifestações só acontecem quando as pessoas estão zangadas", afirmou Alegre no congresso. Terá sido mais um serviço que prestou ao seu partido. E, "em nome da coerência", recusou o convite para a sua morte política.
Ao invés, o actual Primeiro-Ministro, envergando um traje e uma postura blasés, continua a portar-se mal, desprezando os avisos que tantos lhe têm feito chegar e respondendo com arrogante sorriso nos lábios a quem o questiona.
A maioria parlamentar de que dispõe tem-lhe permitido fazer o que quer. Reforma sem dar cavaco; afronta aqueles que deveria ter como seus melhores aliados - os funcionários públicos; rodeia-se de bajuladores e homens-de-mão; mantem à frente de ministérios extremamente importantes como o da educação, pessoas que lhe fazem "o trabalho sujo", arrostando elas com o ódio crescente de quem se sente enganado e maltratado; segue na Europa como ovelha dócil do rebanho; permite que um ministro declare publicamente o seu apoio ao ideal de uma Ibéria unida...
Mas não conseguiu dobrar a cerviz a um democrata dos verdadeiros.
Como cidadão português, aqui deixo o meu obrigado a Manuel Alegre e aos poucos que, com ele, prosseguem na batalha pela verdade e pela liberdade. - Jorge P. G. 13.11.2006
Neste quadro de humor sério , Manuel Alegre, qual viúva saudosa de seu ente querido, chora a desdita de um PS perdido.