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Karim Aga Khan IV: " Nunca ninguém me convencerá que a fé do Islão, o Cristianismo e o Judaísmo lutarão uns contra os outros nos nossos tempos - têm demasiado em comum." (Entrevista ao “Spiegel” conduzida por Stefan Aust e Erich Follath)
“A fé islâmica assenta na razão” - palavras de Aga Khan IV.
Karim Aga Khan IV, descendente do profeta Maomé e líder espiritual de 20 milhões de Muçulmanos Ismailis, discute os fundamentos da sua fé, a controvérsia gerada pelas recentes palavras do Papa sobre o Islão e formas de impedir um choque global entre religiões.
Nota: Devido à extensão da entrevista, publicada em Inglês, aqui deixo a tradução de apenas algumas passagens, bem como o link para quem quiser lê-la na sua totalidade. – Jorge G
SPIEGEL: Sua Alteza, numa prelecção o Papa Benedito XVI citou o Imperador Manuel ao dizer: "Mostrai-me só aquilo que Maomé trouxe de novo, e aí encontrareis apenas coisas más e desumanas, tais como um comando que espalha com a espada a fé que prega.” Esta citação do séc. XIV causou grande agitação no mundo muçulmano. Porquê? E qual foi a sua reacção?
AGA KHAN: Do meu ponto de vista, começaria por dizer que fiquei preocupado com essa citação porque ela causou grande infelicidade no mundo islâmico. Parece estarmos num momento de cada vez mais desentendimentos entre as religiões, uma degradação das relações. Penso que todos nós deveríamos não acrescentar nada que possa piorar a situação.
SPIEGEL: Benedito XVI dissociou-se da frase citada. A própria posição do Papa relativamente à sua prelecção é que ele queria promover um diálogo; e a partir de então, por repetidas vezes, tem expressado o seu respeito pela religião mundial que o Islamismo é. Terá sido apenas uma infeliz escolha de palavras? Ou foi o Papa deliberadamente mal interpretado?
AGA KHAN: Não desejo fazer qualquer julgamento sobre isso, nem posso. E também seria absurdo presumir que sei o que ele quis dizer. Mas esse período (medieval) da História, tanto quanto sei, foi de extraordinárias trocas e debates teológicos entre o Império Bizantino e o mundo muçulmano. Uma época fascinante. A frase do Imperador não o reflete, por isso acho que se situa de algum modo fora de contexto.
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SPIEGEL: Se o Papa o convidasse a tomar parte com outros líderes religiosos num debate sobre fé, razão e violência, aceitaria?
AGA KHAN: Sem dúvida que sim. Contudo deixaria claro que uma discussão ecuménica num determinado palco encontraria alguns limites. Portanto, preferia falar sobre uma ética cosmopolita proveniente de todas as grandes fés na Terra.
SPIEGEL: O Islão tem algum problema com a razão?
AGA KHAN: De maneira nenhuma. Aliás, eu diria o contrário. Das fés de Abraão, o Islão é provavelmente a que coloca o maior ênfase no Conhecimento. O propósito é entender a criação de Deus, e por isso é uma fé eminentemente lógica. O Islamismo assenta na razão.
SPIEGEL: Então, quais são as causas essenciais do terrorismo?
AGA KHAN: Conflitos políticos não resolvidos, frustrações e, acima de tudo, a ignorância. Nada que tenha nascido de um conflito teológico.
SPIEGEL: A que conflitos políticos é que se refere?
AGA KHAN: Os do Médio-Oriente e em Caxemira, por exemplo. Há décadas que esses conflitos permanecem por resolver. Há falta de urgência em compreender que ali a situação se deteriora, é como um cancro. Se não se actuar cedo sobre um cancro, podem criar-se danos terríveis. Pode vir a constituir-se um terreno de criação do terrorismo.
Agora quanto ao assunto de espalhar a fé pela espada: Todas as fés, em algum período da sua História, têm utilizado a guerra para sua protecção ou para a expansão da sua influência, e houve situações em que as fés foram usadas como justificação para acções militares. Mas o Islão não pretende isso, é uma fé de paz.
SPIEGEL: É verdade que foram cometidos crimes horrendos em nome do Cristianismo, como nas Cruzadas por exemplo. Mas isso aconteceu há muito tempo, isso foi no Passado. Os adeptos da jihad cometem os crimes agora, no nossos dias.
AGA KHAN: Não é assim num passado tão remoto que vemos lutas sangrentas no mundo cristão. Olhe-se para a Irlanda do Norte. Se nós muçulmanos interpretássemos o que lá se tem passado como uma correcta expressão do Protestantismo e do Catolicismo, ou mesmo como a essência da fé cristã, vocês diriam simplesmente que não sabíamos do que estávamos a falar.
SPIEGEL: "The West (will stand) against the Rest" escreveu o Professor Samuel Huntington no seu famoso livro "Clash of Civilizations." Será um tal conflito, um tal choque inevitável?
AGA KHAN: Prefiro falar de um choque de ignorância. Há tanta horrível, danosa e perigosa ignorância!
SPIEGEL: E qual dos lados é o responsável?
AGA KHAN: Os dois. Mas essencialmente o mundo ocidental. Pensar-se-ia que uma pessoa instruída, no séc. XXI, deveria saber algo sobre o Islão; mas se olharmos para a educação no ocidente, vemos que as civilizações islâmicas têm estado ausentes. O que é ensinado sobre o Islão? Tanto quanto sei – nada. O que se sabia sobre o Shiismo antes da revolução iraniana? O que era conhecido sobre o Wahhabismo radical sunita antes dos talibãs?
Precisamos de um grande esforço educativo para ultrapassar isto. Mais do que gritarmos uns com os outros, deveríamos estar a aprender a escutarmo-nos uns aos outros. Da forma como costumávamos fazer, trabalhando em conjunto, com um dar-e-receber mútuo. Juntos conseguimos alguns dos maiores feitos da civilização humana. Há muito ainda para construir. Mas entendo que não é possível construir-se com base na ignorância.
Publicação nº 99 - Jorge G