O cavalinho-de-pau
Era uma noite igual a tantas outras. A mesma roupa, o mesmo frio, uma rua quase deserta apagadas as luzes das montras reluzentes de enfeites e estímulos.
Recolhidas ao abrigo de suas casas, as poucas pessoas que ainda há pouco se viam preparavam-se porventura para mais um serão em frente da televisão ou a folhear um jornal.
A hora avançava para a madrugada. Só os vadios, gatos e homens, e os ratos desta cidade, iniciavam a ronda pelos mesmos cantos, os mesmos lixos…
Junto à estátua de um antigo cavaleiro vencedor de mil batalhas, um homem dobrado sobre o frio olhava fixamente o altivo símbolo da pátria. Do chão de cartão húmido, seu assento e leito, erguia a cabeça e media o tamanho enorme das patas do cavalo. No rosto, a iluminá-lo, um feixe de luz do candeeiro vizinho aclarava-lhe os vincos sujos que lhe caíam dos olhos até à boca. Não era velho, embora não soubesse exactamente a idade.
Um dia, há muito tempo, haviam-lhe contado que tinha um irmão mais velho que já andava na escola. Mas foi há tanto tempo que já mal se lembrava.
Dessa época, pouco mais recorda com clareza do que um cavalo-de-pau que um dia montou, às escondidas, quando os outros meninos foram dormir.
Era uma casa grande e os meninos tinham pais. A ela acedia por ter um quintal muito grande e perfumado que dava para um caminho. O cavalinho ficava sempre no jardim. Era lindo, de várias cores… e com ele aqueles meninos se divertiam, baloiçando, baloiçando, e gritando palavras para o cavalinho andar ou para parar. Observava-os por entre um grande limoeiro que se estendia até à rua. Não podia ser visto, nunca percebeu porquê, mas algo lhe dizia para se esconder, talvez o medo de que os donos do cavalo se assustassem com a sua presença, assim sujo e com roupas velhas como sempre andava.
Um dia, enquanto espreitava, viu aparecer alguém com um cavalinho novo, um pouco maior e com uns fios pendurados da cabeça e um rabo de cordas brancas. O outro, motivo de tantas cavalgadas e batalhas ficou sozinho a um canto. Como se fosse velho, muito velho e já não servisse para nada…Nessa noite, encheu-se de coragem e galgou para o jardim. Agarrou-se ao cavalo-de-pau e cavalgou até ao fim do mundo, até chegar a um lugar onde todos os meninos tinham o seu cavalo e brincavam em jardins de flores cheirosas, sem terem de se esconder. Foi nessa noite que ouviu cantar lindas canções que falavam de paz e amor. Naquele sítio tão belo, uma placa dizia : NATAL .
- Jorge P G. 11-12-2006
Publicação nº 199 - jorgg