sexta-feira, 8 de setembro de 2006
A ADOZINDA
CAUTION! ADOZINDA ON WORKS! Cada um lá terá sua Adozinda. Com s ou z pouco importa. No caso da minha Adozinda é assim que fica.
De há dois anos para cá, mais mês menos mês, inventei um novo verbo. Mais, um novo conceito, uma nova filosofia, uma praga. Afinal também sou gente e não é apenas o Ernesto de Mello e Castro a ter o direito de criar novas palavras. Adozinda passou a conotar-se, para mim que a conheço, com nome de furacão. Daqueles que, ainda à distância, logo anunciam os estragos que vão causar. O meu furacão tem forma de gente. Metro e meio de altura por um metro de largura. Ombros de acartar cestos vindimeiros,atarrachados no pescoço-tronco e mãos de dobrar tenazes. Cabelo hirsuto grisalho, um nariz farejador, olhos vivos que mal vêem, mas óculos…”Não me caem bem!” É alegre e sorridente, educada como não há, “como está senhor doutor, passou bem? Eu vou bem, muito obrigado.” Não fora o que vos contarei e teríamos entre nós uma empregada doméstica de primeira!
O que acontece é que a Adozinda, entretida em seu labor, já destruiu tanta coisa que valha-me Nosso Senhor! Sete copos, seis chávenas, três bonecos de encantar, um vidro de moldura, uma camisa por estrear, uma gaveta da estante, um ferro de engomar, dois tapetes, três toalhas, um pano da roupa passar, dois gatos, um macaco, mais dois ursos de brincar, uma tampa de panela, uma panela sem tampa, dois garfos, duas colheres, cinco lenços de assoar,… Tira-me as almofadas do lugar, deixa o rádio-despertador de pernas para o ar, aspira o pó às cadeiras e deixa o pano no seu lugar, rebentou-me com um estore ou com o fio de puxar, agarra nas coisas com força para não as deixar cair, partem-se-lhe nas mãos e diz nem lhes tocar. “Eu estava aqui ao lado e, de repente, isto saltou. Valha-me Deus!” – diz, branca que mete dó. E se é coisa que cá haja, logo a vai comprar e não aceita o dinheiro. “ Parti! Vou comprar!” Hoje foi a vez de um sininho comprado em Brugge partir de viagem. “Rest in pieces!” Comentou logo a seguir : - “Ai, meu Deus, ainda se fosse este pratinho…” Um pratinho de Limoges, não sei se estais a ver! Tem 70 anos e sustenta um filho que gasta tudo o que ganha, mais dois netos e as despesas da casa… Que lhe vamos nós fazer? É uma figura trágico-cómica que devemos apoiar. Além do mais, afeiçoei-me a esta máquina de destruir, que quereis?! Então, criei novos vocábulos para os nossos idiolectos. Adozindar, adozindação, adozindado,...e sabeis agora todos qual o seu significado!
Curiosamente, alguns ilustres portugueses das nossas Letras tiveram a sua ADOSINDA, em Eça no cap.XVIII de “Os Maias” e antes, com Garrett, que dois anos após a D.Branca publicou em Londres, em 1828, "ADOZINDA" - um romance em que conta histórias tradicionais em verso. Aqui deixo uns aperitivos para divertidas leituras. E não vos deixeis adozindar ! in "OS MAIAS" - Cap.XVIII“…Carlos parara. Olhava, pasmado para as varandas extraordinárias dum primeiro andar, recobertas como em dia de procissão, de sanefas de pano vermelho onde se entrelaçavam monogramas. E ia indagar - quando, de entre um grupo que estacionava ao portal desse prédio festivo, um rapaz de ar estouvado, com a face imberbe cheia de espinhas carnais, atravessou rapidamente a rua para gritar ao Ega, sufocado de riso: - Se você for depressa ainda a encontra aí abaixo! Corra! - Quem? - A Adosinda!... De vestido azul, com plumas brancas no chapéu... Vá depressa... O João Eliseu meteu-lhe a bengala entre as pernas, ia-a fazendo estatelar no chão, foi uma cena... Vá depressa, homem! Com duas pernadas esguias o rapaz recolheu ao seu rancho - onde todos, já calados, com uma curiosidade de província, examinavam aquele homem de tão alta elegância que acompanhava o Ega e que nenhum conhecia E Ega, no entanto, explicava a Carlos as varandas e o grupo:
- São rapazes do Turf. É um club novo, antigo Jockey da travessa da Palha. Faz-se lá uma batotinha barata, tudo gente muito sympathica... E como vês estão sempre assim preparados, com sanefas e tudo, para se acaso passar por ahi o senhor dos Passos. Depois, descendo para a rua Nova do Almada, contou o caso da Adosinda. Fôra no Silva, havia duas semanas, estando elle a cear com rapazes depois de S. Carlos, que lhes apparecera essa mulher inverosimil, vestida de vermelho, carregando sensatamente nos rr, mettendo rr em todas as palavras, e perguntando pelo snr. virrsconde... Qual virrsconde? Ella não sabia bem. Erra um virrsconde que encontrrárra no Crrolyseu. Senta-se, offerecem-lhe champagne, e D. Adosinda começa a revelar-se um sêr prodigioso. Fallavam de politica, do ministerio e do deficit. D. Adosinda declara logo que conhece muito bem o deficit, e que é um bello rapaz... O deficit bello rapaz - immensa gargalhada! D. Adosinda zanga-se, exclama que já fôra com elle a Cintra, que é um perfeito cavalheiro, e empregado no Banco Inglez... O deficit empregado no Banco Inglez - gritos, uivos, urros! E não cessou esta gargalhada continua, estrondosa, phrenetica, até ás cinco da manhã em que D. Adosinda fôra rifada e sahira ao Telles!...” Jorge G. 08.09.2006
Sino tocado em
setembro 08, 2006 -
3 comentários
-> Deixe aqui o seu comentário <-
UM BLOGUE de Jorge P. Guedes - ©
Powered By: Blogger
FINAL DA PÁGINA
|