Imagem de O Sino da Aldeia
“Acho que muitos atletas não têm bem a noção da realidade e do que isto [Jogos Olímpicos] significa. Se calhar têm facilidades a mais. Nunca na vida vinha para aqui viajar e ver os Jogos”
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“Um atleta de alta competição tem de ter objectivos concretos, pessoas em quem confiar a 100 por cento e nunca fazer as coisas só por ele, ter uma boa equipa. Tem de saber o que quer, onde está e o que significa a alta competição. A alta competição não é uma brincadeira, não é fazer meia dúzia de provas, andar a receber uma bolsa e está feito. Isto é como um trabalho”, afirmou Vanessa Fernandes, para quem há “dificuldade em Portugal em perceber isso”.
Desde sempre anunciados e propagandeados como "uma grande festa de confraternização entre os povos", os Jogos Olímpicos nunca deixaram de ser fundamentalmente uma competição, a justificar de resto o seu lema: "citius, altius, fortius". Ser o mais veloz, chegar mais alto e revelar-se o mais forte foi, desde a antiga Grécia, o verdadeiro objectivo dos Jogos. E já então os atletas nada tinham de amadores, pois apenas se dedicavam à prática das suas modalidades.
Pierre de Coubertin veio tentar introduzir o conceito de olimpismo, em que o mais importante seria competir, no estrito sentido de participar. Era uma concepção de desporto pelo prazer de o praticar, a mens sana in corpore sano que ajudasse o Homem a ser saudável mental e fisicamente.
Reflectindo sobre esse propósito de Coubertin, concluir-se-á que ele nunca passou de um desejo, de um mote, de um incentivo à prática desportiva. Nunca os países, e os atletas, encararam os Jogos apenas nessa vertente, antes fazendo dos mesmos território de investimentos nacionais e pessoais na ânsia de vitórias que os afirmassem como símbolos de poder, transitório sim, mas poder.
Estes Jogos de Pequim, porventura os mais mediatizados e politizados de sempre, foram uma clara aposta da China para a sua afirmação internacional como potência forte, poderosa e moderna. A luta pelas medalhas, o indicador máximo desse poderio perante o mundo, tem-se revelado particularmente acesa entre a China e os Estados Unidos, e ainda que estes possam vir a obter mais medalhas já será pouco menos do que muito improvável retirar aos chineses o ceptro de mais medalhados com o oiro, o grande objectivo dessas nações.
Portugal, neste quadro, apresentou-se como um pequeno país aspirante a trazer de Pequim alguns desses símbolos "sagrados". Como muito bem dizia há dois dias o nosso representante Gustavo Lima, ficar em 4º é "ser mais um", ganhar uma medalha é "ser único".
Assim pensarão muitos e muitos atletas de todo o mundo. Nos livros dos Jogos só figuram, friamente, os medalhados. Dos outros, poucos se lembrarão daqui a uns anos.
Apresentámo-nos em Pequim como nunca. Aureolados em diversas modalidades com títulos de campeões mundias e europeus: Nuno Pombo, no Tiro com Arco, um atirador com 30 anos que fora, já em 2008, 1º na Taça do Mundo; no Judo, João Neto é o campeão europeu -81 Kg; Telma Monteiro, vice-campeã mundial em 2007, que perdeu 5 Kg para poder competir na categoria dos 52 Kg; Vanessa Fernandes laureada com vários títulos europeus e mundiais no Triatlo; Obikwelu, campeão europeu nos 100 metros e com uma das melhores marcas mundiais do mundo em 2008; Naide Gomes, campeã mundial no Salto em Comprimento em Pista Coberta - 2008, campeã europeia no Salto em Comprimento em Pista Coberta - 2007, 2.ª no Campeonato da Europa ao Ar livre - 2006;
Nelson Évora, em 2008 - 3º no Mundial de Pista Coberta (Valência) com 17,27 metros no Triplo Salto, e em 2007 – Campeão Mundial em Osaka com 17,74m, - 5º no Europeu de Pista Coberta em Birmingham, - 1º na Taça da Europa em Triplo Salto e Salto em Comprimento, em 2006 – 4º no Europeu de Gottenburgo e 1º na Taça da Europa - Triplo Salto e Salto em Comprimento.
Todos estes atletas, e ainda alguns mais, do Remo, foram a Pequim porque o justificaram plenamente pelos resultados desportivos obtidos nas maiores competições.
Perante a realidade destes números, as expectativas de medalhas cresceram entre os portugueses, empoladas pela Comunicação Social e por afirmações de alguns dos próprios atletas.
Acredito que uns Jogos Olímpicos sejam algo de muito especial e incomparável com qualquer outra grande competição. Acredito que exista uma auréola mágica que empurre alguns para a frente e prenda os músculos a outros.
Sei que em Desporto nem sempre as coisas correm de acordo com o cientificamente programado e potencialmente exigível e exequível.
Estou consciente de que alguns atletas se superam de forma perfeitamente imprevisível, enquanto outros nem conseguem perceber o motivo dos falhanços.
Tudo isso é admissível, humano e entendível.
O que já não admito é a forma vergonhosa como muitos tentaram explicar os seus fracassos.
Justificar claros insucessos desportivos com a humidade atmosférica; as provas serem de manhã ("De manhã só é bom é na caminha, pelo menos comigo", brincadeirinha de um tal Marco Fortes do Lançamento do Peso); o campo não estar bom (esta, ouvi-a ao Presidente da Federação de Tiro para explicar a falta de acerto do Nuno Pombo!); os árbitros "estarem feitos" para dar a vitória a uma chinesa, como proferiu a judoca Telma Monteiro; não servir para este tipo de provas, como disse a lançadora de martelo Vânia Silva("não sou muito dada a este tipo de competições"; ficar com as pernas presas perante tanta gente no estádio, palavras do velocista Arnaldo Abrantes; anunciar que vai de férias, pois "a prova de 5 000 metros não vale a pena visto que as africanas ganham tudo" (decisão que, ao menos, já retificou), em palavras de Jéssica Augusto depois de se deixar "levar" para fora da qualificação a um metro da meta nos 3000 obstáculos; "a égua não está habituada a ecrãs no recinto", palavras do cavaleiro Miguel Ralão Duarte, um homem de 41 anos e professor de equitação(!);...
Pelo menos, a Naide Gomes, absolutamente desastrosa, refugiou-se num simples "ainda nem sei como justificar o que fiz, estou ainda parva, nem chorar consigo!".
Alcançar as medalhas é uma possibilidade, nunca um dado pre-adquirido. Sabem-no perfeitamente todos os atletas e excursionistas da delegação portuguesa.
Justificar os resultados das provas é um dever, fazê-lo sempre com a maior das honestidades, uma obrigação, um imperativo máximo.
Quem não explicou isto mesmo aos nossos representantes que tão mal se comportaram neste domínio?
No meio de tanta gente que aproveitou para conhecer Pequim, qual a razão de não terem figurado 2 ou 3 psicólogos que acompanhassem a evolução dos níveis de ansiedade dos atletas e velassem pela sua sanidade etico-desportiva/profissional?
O que anda a fazer o gordo e anafado Seretário de Estado Laurentino Dias, sempre célere a "botar discurso" de cassette e nada presente e interventivo quando necessário?
Vicente Moura, o chefe-máximo, diz que não é sua missão educar os atletas. Pois não será, mas a responsabilidade maior pela imagem que eles dão é sua, meu caro senhor, "vem no pacote" do cargo que exerce e todos nós pagamos!
Agora, os dirigentes desculpar-se-ão com os atletas e estes com as mais variadas desculpas ridículas e inaceitáveis. É o costume. A culpa vai morrer virgem e daqui a 4 anos haverá mais do mesmo.
Que triste figura!
Por fim, um nome quero salientar: VANESSA FERNANDES, que É UMA CAMPEÃ, ganhe ou não ganhe medalhas, e ela até nos deu uma!
E parabéns ao Gustavo Lima, que terminará a sua carreira com 30 anos, despedindo-se com um muito bom 4º lugar na prancha à vela.
Já só falta Nelson Évora, que estará na final do Triplo Salto na 5ª feira. Acredito nele como atleta. Logo se saberá se é também um campeão, independentemente de vir a obter medalhas, ou não.
Por fim, gostaria de vir a saber se atletas de outros países do tamanho do nosso, como a Áustria, a Suiça, a Bélgica, a Holanda, a Irlanda, justificarão de modo semelhante alguns dos seus insucessos.
- Jorge P.G.
Adenda: já depois de ter escrito este artigo de opinião, foi noticiado pelos órgãos de informação que Vicente Moura se vai demitir de Presidente do Comité Olímpico, ou que não se irá recandidatar, o que são duas figuras bem diferentes.
Caso se demita, a atitude só lhe ficará bem!
Publicação nº 606 - O Sino da Aldeia - Jorge P.G.