Hoje, transporto-vos em viagem até Trancoso, uma das mais jovens cidades portuguesas já que apenas em Dezembro de 2004 foi elevada a essa categoria.
Situada a norte da Beira-Alta, a uma vintena de Km de Celorico da Beira, a cidade é das mais interessantes do ponto de vista histórico.
A ela se ligam vários reis, desde D. Afonso Henriques que a conquistou aos mouros, até D. Dinis que a escolheu como local do seu matrimónio com D.Isabel de Aragão, a Rainha Santa, e que sempre lhe dedicou especial cuidado, quer usando-a como centro da sua actividade política, quer preocupando-se com a sua defesa como posição chave na linha de fronteira com Castela. E era tão forte a influência deste concelho junto de D. Dinis, que na contenda com Sabugal, por causa da duração dos seus certames, o monarca dá razão a Trancoso e por carta de 27 de Janeiro de 1314, são confirmados todos os privilégios da sua feira e a proibição de nenhuma outra localidade realizar a sua enquanto enquanto durasse a de Trancoso. (à feira de Trancoso se referiu Gil Vicente no seu «Auto da Mofina Mendes», “…Vou-me à feira de Trancoso, Logo, nome de Jesu…”).
Entre muitas outras figuras da nossa História, O Magriço, de nome completo Álvaro Gonçalves Coutinho, era filho de Gonçalo Vasques Coutinho, alcaide-mor da Vila de Trancoso e herói da Batalha de S. Marcos, que terá levantado a moral para a futura batalha de Aljubarrota. Nasceu na Vila de Trancoso, presumidamente nos meados ou terceiro quartel do século XIV.
Este cavaleiro fez parte da famosa expedição a Inglaterra, tendo acompanhado outros 11 companheiros naquela que foi imortalizada como a saga dos Doze de Inglaterra, referida por Camões em “Os Lusíadas”.
Mas duas figuras são, hoje, conhecidas de todo o povo:
Gonçalo Anes, O Bandarra
Este famoso sapateiro-profeta de Trancoso, Bandarra por alcunha, terá nascido em Trancoso nos inícios do século XVI, ou mesmo em 1500 e pode ser considerado uma das maiores figuras portuguesas de todos os tempos, já porque as suas «Trovas» são universalmente conhecidas e investigadas, tendo circulado durante séculos de forma manuscrita, em diferentes versões, já por se tornar num símbolo de uma época historicamente dramática para Portugal. O Bandarra, sapateiro, poeta e profeta, um “Nostradamus” português, foi homem que sofreu a perseguição da Inquisição.
Bandarra faleceu em Trancoso, onde foi sepultado, estando o seu túmulo na Igreja de S. Pedro em Trancoso. Crítico de Costumes, poeta, profeta, Bandarra foi lido, temido e perseguido pela Inquisição.
Bandarra profetizou em termos bíblicos o Quinto Império, interpretado e comentado pelo Padre António Vieira e Fernando Pessoa.
O Padre António Vieira viria a escrever: “Bandarra foi verdadeiro profeta, pois profetizou e escreveu tantos anos antes tantas cousas, tão exactas, tão miúdas e tão particulares, que vemos
todos cumpridas com os nossos olhos”.
Uma dessas profecias diz respeito ao próprio, judiciosa e relevante:
“Em dois sítios me achareis,
Por desgraça, ou por ventura:
Os ossos na sepultura,
A alma, nestes papéis.”
Bandarra chegou a prever que D. João ou “D. Fuan”, será esse “novo rei alevantado" aclamado em finais dos “anos quarenta”. De facto D. João IV seria aclamado em 1640, com coroação no Terreiro do Paço. Nessa época, o retrato de Bandarra foi então exposto na Sé de Lisboa.
Sobre ele escreveu Fernando Pessoa:
“Sonhava, anónimo e disperso,
O Império por Deus mesmo visto,
Confuso como o Universo
E plebeu como Jesus Cristo.
Não foi nem santo nem herói,
Mas Deus sagrou com Seu sinal
Este, cujo coração foi
Não português, mas Portugal.”
O PRIOR DE TRANCOSO (séc XV)
Outra figura ligada a Trancoso deverá constituir, se não o maior, pelo menos um dos maiores garanhões da Historia de Portugal. Trata-se do Prior de Trancoso, o Padre Francisco da Costa.
No Arquivo Nacional da Torre do Tombo, pode ler-se a sentença proferida em 1487, no processo contra o Prior de Trancoso - Autos arquivados no armário 5º, maço 7:
"Padre Francisco da Costa, prior de Trancoso, de idade de 62 anos, será degredado de suas ordens e arrastado pelas ruas públicas nos rabos dos cavalos, esquartejado o seu corpo e postos os quartos, cabeça e mãos em diferentes distritos, pelo crime que foi arguido e que ele mesmo não contrariou, sendo acusado de ter dormido com 29 afilhadas e tendo delas 97 filhas e 37 filhos. De cinco irmãs, teve 18 filhas; de nove comadres 38 filhos e 18 filhas; de sete amas teve 29 filhos e cinco filhas; de duas escravas teve 21 filhos e sete filhas; dormiu com uma tia, chamada Ana da Cunha, de quem teve três filhas, da própria mãe teve dois filhos. Total: 299, sendo 214 do sexo feminino e 85 do sexo masculino, tendo concebido em 53 mulheres".
A pena não foi cumprida porque El-Rei D. João II lhe perdoou a morte e o mandou pôr em liberdade aos 17 dias do mês de Março de 1487 e guardar no Real Arquivo da Torre do Tombo esta sentença, devassa e mais papéis que formaram o processo.
Publicação nº 327 - JPG