Uma Língua não é estática. Ela evolui, cresce, incorpora novos vocábulos e conceitos de correcção gramatical. Se assim não fosse, em Inglaterra continuaríamos a falar e a escrever como o fazia Shakespeare e por cá, o Português seiscentista de D. Francisco Manuel de Melo, por exemplo, ainda seria o Português norma-padrão.
A nossa língua desenvolveu-se, como outras, no contacto com outros falantes para além dos europeus e assim se foi enriquecendo.
Quero com isto dizer, e sem entrar em complicados conceitos linguísticos que a maioria dos leitores não entenderia por falta de formação académica nessa matéria específica,que não sou um purista da língua. Não defendo um Português único, normativo e espartilho da sua própria evolução.
Quando me refiro à premência da defesa da Língua Portuguesa, que tento aplicar ao que publico, estou a procurar fazer uma chamada de atenção para o despudor com que esta vem sendo tratada nos órgãos de comunicação, sobretudo, pois são estes poderosos meios que podem verdadeiramente influenciar para o bem ou o mal falar e escrever.
Os brasileirismos semânticos, a grafia de cá ou a de lá, são quanto a mim bem menos importantes no momento. De resto, sempre houve grandes escritores do Brasil escrevendo de acordo com a sua norma, que não a norma-padrão, e não foi por isso que alguma vez se considerou que escreviam em mau português.
O que arrepia são os diários atropelos à essência da língua. Os claros erros de concordância entre Sujeito e Predicado, a regência das preposições, o claro adulterar semântico de vocábulos, o falar e o escrever que não constituem desvios à norma, antes são atentados à mesma. Aqui, no Brasil, em Cabo Verde, ou em Macau.
E por isso são úteis todos os programas que as TVs, sobretudo a pública, decidam pôr no ar, ainda que com o tradicional atraso em que somos viciados.
Tratar bem a língua é o dever de qualquer falante nativo, é a defesa do melhor património de um povo.
Claro está que, sendo o Português tão rico e difícil, não se pode esperar que não se cometam erros. Mas... há "calinadas" ...e calinadas!
Atentemos nas seguintes:
a) «Quando a gente confia, arrependemo-nos quase sempre», escreveu Joaquim Letria, na sua coluna diária do jornal “24 Horas” de 24 de Outubro p.p. Com o termo "a gente", os verbos dependentes (“confiar” e “arrepender-se”) têm de ir para a 3.ª pessoa do singular: «Quando a gente confia, arrepende-se quase sempre»” Se se quiser subentender o sujeito “nós”, então, ambos os verbos deverão ir para a 1.ª pessoa do plural: «Quando confiamos, arrependemo-nos quase sempre.»
b) Judite de Sousa, Telejornal RTP-1, 22 de Outubro., sobre o mau tempo em Portugal: «O Porto é um dos onze distritos que está em alerta laranja». O verbo deveria ter ido para o plural («O Porto é um dos onze distritos que estão em alerta laranja»), pois a expressão «um dos» + substantivo + que leva o verbo para o plural. No caso, o sujeito de «estar em alerta» são os onze distritos: há onze distritos que estão em alerta e o Porto é um deles.
c) Frase do jornalista e crítico de televisão, Miguel Gaspar, indagado no programa " A Voz do Cidadão" na RTP-1, no passado dia 21 de Outubro: «(O programa "Prós e Contras") em princípio, é suposto apresentar dois pontos de vista; portanto, os painéis são representativos de posições diferentes». Está a ser bastante utilizada a construção " é suposto" + infinitivo. Trata-se de um modismo, uma adopção do inglês, que deverá ser evitada, pois colide com a nossa construção sintáctica. Efectivamente, não se deverá dizer que «o programa é suposto apresentar», porque «o programa» não é o sujeito; o sujeito aqui é indeterminado: «(…) pressupõe-se que o programa apresente dois pontos de vista». Em português, poderá, assim, dizer-se – em vez de “é suposto” – «pressupõe-se que»; «espera-se que»; «é desejável que»; «pensa-se que»; «considera-se que»; «tem-se como princípio que»…
Estas são apenas amostras recolhidas no site "Ciberdúvidas da Língua Portuguesa", dos grandes erros, que diariamente lemos e ouvimos, não o "ato" por "acto" ou o "vou xingar você" que são modismos brasileiros e como tal devem ser entendidos, embora tenhamos o dever de não os copiar, tal como os ingleses não usam expressões ou grafias americanas.
Publicação nº 122 - JorgeG