Ao ler jornais, ao ouvir certos comentadeiros das nossas TVs( deixo aos leitores a tarefa de encontrar exemplos), lembrei-me de um artigo publicado no extinto "Os Bigodes do Gato 1", que republico pois houve muita gente que não leu.(O artigo teve, então, dois comentários) Para quem não domine bem o Inglês, passo a traduzir:"Burro - Um pequeno asno.Gosta dos climas quentes do sudoeste. Os burros são muito engraçados mas podem ser muito casmurros."Há muitos e bons anos, no tempo em que os rapazes usavam longas cabeleiras com as quais procuravam conquistar as moçoilas que esvoaçavam em bando, perfumadas e alegres, à saída dos colégios e Liceus, li um livrinho cujo título era : “ O reino da estupidez” ( col. ‘O tempo e o modo’ da Livraria Morais Editora da Rua da Assunção,Lisboa)
Esse pequeno exemplar do pensamento do mais americanizado escritor / ensaísta /pensador português que conheci, Jorge de Sena, é uma colectânea de textos que, à altura, o autor publicava no defunto “Diário de Lisboa”, no qual comecei a fazer muito cedo as “Palavras Cruzadas” sem quadradinhos pretos, que faziam as minhas delícias e uma cara desconsolada ao meu pai.
Desse livro de Sena, provavelmente o mais pequeno em volume e importância literária de toda a sua extensa obra, fixei uma frase :
“Cultura é coragem de pensar e sentido das responsabilidades quanto ao que se pensou.”Assim dita, a frase será bonita, está bem construída, vem de um intelectual consagrado, tem peso e medida adequados para se usar como citação.
Pode, contudo, ser uma bomba de relógio.
Na época, a edição que possuo data de 1961, Portugal era necessariamente um país diferente.
As taxas de analfabetismo e de iliteracismo rondavam números que me abstenho, por pudor, de revelar.
Era um país de tamancos.
Cultura, havia a popular que nem sabia que o era e havia mais duas formas assim ao de leve definidas : a cultura dos pensadores corajosos e responsáveis, como Jorge de Sena, muitos deles frequentadores assíduos das cadeias nacionais, e havia a outra cultura, assim designada pelos seus praticantes, os que nada sabiam mas tudo julgavam saber. Era esta, naturalmente, a forma de “cultura”que mais gente possuía. Fazia de Pinóquios gente importante e interessava sobremaneira ao regime político reinante. “Ladravam mas não mordiam”.
Ora, em tal contexto socio-político, a frase citada de Sena fazia todo o sentido e não era inspiradora de profetas ignaros, pela simples razão de que os ignaros de então não ousavam ser profetas. A censura não o permitia !
Hoje, o país mudou.
Com a liberdade, pela qual alguns sempre haviam lutado, chegou a Portugal uma nova realidade : o direito a dizer, a escrever, a publicar o que a vontade e o juízo de cada um quiserem.
A frase de Jorge de Sena, poderia bem ser reformulada.
Seria mais adequada à nova realidade se rezasse assim: “A cultura, no meu país, é o topete, a "lata", de escrever e de falar do que se desconhece e a falta de responsabilidade quanto ao que se escreveu ou disse.”
Aplicadores desta frase não faltam.
Há que ter é a coragem de os açoitar!