Foram extinguidos os blogues "A Tasca da Malta" e "Coffee Time". Em seu lugar, o recuperado projecto "Os BIGODES do GATO", que aguarda as vossas visitas. OBRIGADO.
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A um dia de nuvens e ventos contrários segue-se habitualmente uma manhã clara e confiante. Por isso nunca me preocupo quando do limão espremido não jorra sumo. Viro costas ao tempo e deixo que ele siga o seu caminho sem mim. Flutuo à espera da maré seguinte.
E hoje chegou o dia de nova viagem.
Pego na tralha e faço-me ao mar, levando para alimento um saco de memórias recentes.
É Agosto e as cidades entram no outono, despem-se das folhas que as vestem durante o ano, acolhendo outras que lhes emprestam diferentes cores e cheiros.
Os seus habituais moradores estiram-se ao sol ou aproveitam as sombras das árvores e nelas tudo muda. E pensam os turistas que as ficam a conhecer... Não são as mesmas, resguardam-se para os que as habitam todo o ano.
Por toda a parte é assim. Lisboa, Madrid, Estocolmo, Viena , Roma, Paris...
E é de Paris, naturalmente, que em jeito de rescaldo, vou falar. Antes da chegada da nova maré.
Paris não tem mar. Mas tem um rio. E dele partiu, em círculos concêntricos para o que hoje é. Uma imensa metrópole, separada pelo Sena, rive droîte - rive gauche, mas que as mais de 30 pontes unem em um único gigantesco coração.
A norte, a Montmartre des artistes et des bohèmes contempla a cidade, lá de cima da colina, subindo desde a Place Clichy e o Pigalle. E lá mais para o norte entre as Portes de Clichy e de Clignancourt, fica St. Ouen - uma vila duramente atingida durante a 2ª Guerra, local onde se estabeleceram os primeiros forasteiros que vinham vender produtos vários a Paris, e onde se faz a maior feira de antiguidades no mundo, o famoso Marché aux Puces de St Ouen com os seus antiquaires et brocanteurs.
A leste, o Parque de Vincennes mais a sul e o Cimetière du Pére Lachaise mais para cima e no qual repousam dois séculos de artistas, escritores, militares, compositores, também Balzac, Sarah Bernardt, Bizet, Chopin, Auguste Comte, Delacroix, Molière, Camus, G. Apollinaire, Marcel Proust, Rossini, Oscar Wilde, Jim Morrison, Yves Montand e Simone Signoret, Bécaud, e igualmente Édith Piaff - a alma de Paris... e tantos outros.
A sul, a Porte de Vanves com um Marché aux Puces menos famoso e "mais francês" do que o de St.Ouen; a gare d'Austerlitz; a Place d'Italie.
E para oeste, o Bois de Boulogne e as suas alamedas e lagos e cascatas, interdito à noite e antigo terreno de caça de reis e fidalgos e lugar de festejos.
E no meio de Paris, no centro, à volta de ambas as margens do verde e pachorrento Sena, a história de um povo nas ruas e nas pontes; nas igrejas e nos monumentos; nos Grands Boulevards de Haussmann e seus discípulos; nos buracos das balas dos nazis marcando para sempre as paredes da Conciergerie e de vários edifícios; nas placas anunciando que foi naquele exacto local que tombou um resistente; no deslumbrante Jardin du Luxembourg; e no Parc Monceau; e no Jardin des Plantes com a Ménagerie onde os gorilas fazem pose para as câmaras que os filmam e outras espécies são protegidas, ali mesmo, no centro de uma cidade enorme, e onde não se ouve ruído algum.
O comércio activo e tão procurado estende-se da Place Vendôme dos famosos Cartier ou Dior ao Marais das pequenas boutiques e comércio tradicional naquele intrincado labirinto de ruas estreitas e baixos edifícios. Pelo meio, St.Honoré e os sofisticados estilistas; ou então, o Boulevard des Italiens; St Michel e o Quartier Latin com os seus restaurantes durante o ano muito frequentados pelos estudantes da magnífica e renovada Sorbonne.
E depois, há os antiquários ao longo das margens do rio, os bouquins com milhares de livros e artigos vários de colecção estirando-se da zona da Mairie até à Pont St Michel, pela qual se atravessa para a Ile St Louis, um paraíso aos Domingos de manhã.
E Montmartre, a Place du Tertre onde hoje mal sobra espaço para os artistas, e o Sacré Coeur, claro, e as escadarias daquela íngreme colina, uma das poucas da cidade, e que nos fazem recuar no tempo.
E falta o Pigalle, hoje já muito descaracterizado mas com o mítico Moulin Rouge em néon gigante; a Tour Eiffel e a sua beleza à noite observando o Champ de Mars; les Invalides, les Champs Elysées das inúmeras lojas, esplanadas, cinemas, o Lido,... e o Arc de Triomphe do cimo do qual lá muito ao longe no fim da avenida se pode avistar o Obélisque da Concorde, esse Arco do Triunfo espantoso no centro da Étoile onde circulam sem faixas de rodagem carros e autocarros vindos das várias e muitas avenidas que nela confluem.
E não falei da singular e fantástica Place des Voges, no Marais, perfeitamente quadrada, com um jardim no meio de palácios e de galerias de pintura, onde viveu durante uns tempos Victor Hugo e onde hoje fica o seu museu.
Não falei, ainda no Marais, dos inúmeros pequenos museus, como o de Picasso, do Carnavalet, do Cognacq-Fay onde se observam gratuitamente as mais belas caixinhas de porcelana fina do séc.XVII que algum dia vi, ...
A Place de la Concorde e o Obelisco; as Tuilleries e o sonho dos seus jardins com o arco e o Louvre ao cimo, imponente e inexplicavelmente fora do concurso para Maravilha do Mundo.
Notre Dame; La Madeleine; la Bastille; la Mairie; la République; la Comédie Française ao fundo da Avenue de l'Opéra; a Igreja de St. Eustache em Les Halles; o maravilhoso Musée d'Orsay - antiga estação de combóios com um relógio sumptuoso, belíssimo, e uns terraços de onde temos uma das mais linda vistas do Sena e do Louvre; o Musée Rodin; a gigantesca Tour Montparnasse lá no fim da rue de Rennes quase em frente do Café Flore e do Aux Deux Magots, onde se sentavam Sartre, Simone de Beauvoir e tantos, tantos outros que por ali viviam ou paravam, numa St. Germain des Prés ainda não despida dos seus pequenos livreiros em lugar das actuais boutiques de moda.
E tanto, mas mesmo tanto, fica por dizer... os pequenos mercados de rua; os bateaux mouches no Sena; o Trocadéro e o Palais de Chaillot de onde melhor se observa a Eiffel; as acolhedoras pracetas que nos surgem de repente e nos descansam das caminhadas em pequenos cafés ou aprazíveis bancos à sombra de uma árvore; os candeeiros, oh, os candeeiros deslumbrantes da ponte Alexandre III e os típicos e sempre diferentes das zonas mais frequentadas à noite, como St Michel, o Pigalle, Les Halles, o Odéon; ... é tudo isto Paris.
Como não gostar de uma cidade assim? Como não a revisitar uma, e outra, e outra vez...
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Publicação nº 445 - J.G.