"Viva a rainha! Abaixo os Cabrais e as leis novas” eram as palavras de ordem das manifestantes armadas com chuços, sacholas e forcados.
A incógnita persiste: Quem foi efectivamente Maria da Fonte? Muitos defendem que foi o nome dado ao grupo das manifestantes, outros especificam que se tratava de Maria Luísa Balaio, Josefa Caetano ou Maria Angélica de Simães.
Maria da Fonte tornou-se um marco incontornável na história da Póvoa de Lanhoso que foi perpetuado pela representação de José Augusto Távora numa pintura na parede do Clube Povoense e pela estátua colocada pelo Município em 1996 no cento da vila, aquando da comemoração dos 150 anos da Revolução. (http://www.atpl.pt/mariadafonte.htm)
Estátua de Maria da Fonte em Póvoa de Lanhoso,1996
Joana Maria Esteves, Joaquina Carneira, Josefa Caetana, Maria Angelina (Angélica?), Maria Custódia Milagreta, Maria da Fonte do Vido, Maria da Mota, Maria Luiza Balaio, Maria Vidas, todas podem ter sido a Maria da Fonte que deu nome à revolta de 1846, um motim popular dirigido por mulheres, por muitas e não apenas por uma.
A morte de Custódia Teresa, habitante do lugar de Simães, freguesia de Fonte Arcada, foi a gota de água.
O povo já andava descontente com as leis de Costa Cabral, ministro de D.Maria II, desde 1844, quando saiu a nova regulamentação dos serviços de saúde... "Agora, não só é obrigatório descrever as propriedades nas «papeletas das ladroeiras» para se apurar o imposto, como se tem de romper com a tradição de enterrar os cadáveres nas igrejas, esperar que o delegado de saúde certifique o óbito e, ainda, pagar as despesas do funeral. A lei das taxas e da construção de cemitérios datava de 1835, mas nunca fora cumprida dada a pobreza em que se vivia nesta época de crise económica agravada pela praga da batata e pela seca.
Desde logo surgiram as dúvidas quanto ao rosto a dar à Maria que sublevou o mulherio minhoto, iniciando uma guerra civil que só terminaria no ano seguinte. Sobre os acontecimentos foram escritas diversas versões por observadores e intervenientes, cada uma com a sua Maria.
O escritor Camilo Castelo Branco, à data com 21 anos, também contribuiu para a confusão: romanceou (40 anos depois) a partir dos factos verídicos e houve quem acreditasse que a Maria da Fonte do Vido era a verdadeira.
Perante a multiplicidade de críticas (e embora existam alguns seguidores, poucos, das teorias expressas na obra de Camilo), feitas por aqueles que se dedicaram ao estudo de problemáticas Camilianas, conclui-se, como o fez Hélia Correia no prefácio de uma das edições da «Maria da Fonte»: "A Maria da Fonte é uma maldade. É uma esplêndida maldade Camiliana"
A morte de Custódia, cujo nome fica na História por ter sido o pretexto para a revolta, era a segunda ocorrida nos primeiros meses de 1846. Na primeira, já se tinham registado tumultos, mas nada como o que haveria de suceder. As mulheres de Simães saíram para a rua no dia 22 de Março, mal souberam que vinha aí o comissário de saúde para atestar o óbito, e o resto já se adivinhava: o médico passaria a certidão, o pároco concederia o Bilhete de Enterramento, os familiares teriam de pagar a taxa «de covato» e o cadáver seria enterrado fora da igreja, contrariamente às tradições do povo que acreditava que, noutro chão qualquer senão o do templo, os mortos estariam desprotegidos
O médico não se atreveu a aparecer e, na manhã seguinte, muitas mulheres armadas de paus e dos mais variados instrumentos agrícolas dispuseram-se a impedir o enterro. Quatro agarraram no caixão e todas as acompanharam em correria, ao longo de um quilómetro, até ao mosteiro onde sepultaram a vizinha sem esperar pelo serviço religioso. À frente, de vermelho, empunhando a cruz e com uma pistola à cintura, ia Maria Angelina, irmã do sapateiro de Simães e a única que escolhera uma arma de fogo. Esta Maria da Fonte deveria ter cerca de 20 anos, estatura média, uma aparência robusta e, como as outras, terá gritado vivas à rainha e morras aos Cabrais e às leis novas. Ela própria se apresentaria como sendo a heroína quando o padre Casimiro (um setembrista que liderou a continuação da revolta) visitou a vila da Póvoa e tão convencido ficou que lhe deu 4$800 reis.
A prisão das «Marias da Fonte»
Perante os factos, as autoridades resolveram prender as cabecilhas da revolta, no mesmo 24 de Março em que tentariam exumar o cadáver de Custódia para repor a lei. Foram presas quatro «Marias da Fonte» : Joaquina Carneira, Maria Custódia Milagreta, Maria da Mota e Maria Vidas. Os sinos tocaram a rebate, a defuntos e a repique, reunindo o mulherio das freguesias. Centenas de mulheres com foices, chuços e varapaus afugentaram os representantes da Justiça e correram à pedrada os coveiros. Entusiasmadas com o poder repentino, reuniram-se e decidiram libertar as companheiras quando estas fossem ouvidas pelo juiz. Assim, a 27, milhares se voltaram a juntar ao toque dos sinos e marcharam do Cruzeiro até à vila para arrombar com machados as portas da cadeia.
A Maria da Fonte autora da primeira machadada ficou conhecida por Joana Maria, mas esta jovem, entre os 18 e os 20 anos de idade, usou nomes diversos. Joana Ana, filha do bacharel João Batista Vieira e de Ana Rosa, terá ido buscar à sua madrinha o nome Maria; ao casar-se apresentou-se com o apelido Esteves, quando registou o nascimento da sua filha escreveu Mariana Rosa e no óbito do seu filho Joana Maria das Neves. Muitos anos mais tarde, em 1883, o jornal «O Comércio de Portugal» noticiava: «Na noite de 7 para 8 de Dezembro de 1874, faleceu na freguesia de Verim, Ana Maria Esteves, natural de Santiago de Oliveira,casada com António Joaquim Lopes da Silva daquela freguesia de Verim e que fora a famigerada Maria da Fonte.»
O assalto à cadeia
Após o assalto à cadeia, as revoltosas ficaram eufóricas. No Largo da Fonte, Maria Luiza Balaio convida-as a beber um copo na sua taberna e hospedaria, como era habitual. E assim surge outra hipótese de rosto numa mulher que não chega a tomar parte activa, mas que conspira com a sua clientela e já seria conhecida por esse nome. Atestadinhas até aos gorgomilos, precisavam de dar à taramela, desabafar, e assim foi.
Possuídas do belicoso espírito de Marte no coração e reforçadas (é de presumir) pelo turbulento espírito de Baco no miolo, romperam num entusiasmo delirante, com vivas à Maria da Fonte. E para berrar não há como as goelas das camponesas minhotas.
Quando os cabralistas retomam o poder, Luiza terá fugido para fora do país. No «Diário de Notícias» de 15 de Dezembro de 1874, pode ler-se: «Está no Porto e vem por estes dias a Lisboa a célebre Maria da Fonte. Acompanha-a o seu marido que há dias veio do Brasil onde enriqueceu.»
Dias depois, numa freguesia vizinha, na de Galegos, outras se revoltaram e sepultaram, «no chão devido» (Francisco Lage).
As autoridades emitiram mandados de captura, mas apenas prenderam Josefa Caetana que julgou conseguir livrar-se dizendo ser dona do nome que todos temiam, mas os agentes conheciam-na bem e o juiz mandou-a para a prisão de Braga. No caminho, na Serra do Carvalho, os seis polícias da escolta são assaltados por centenas de mulheres e esta Maria da Fonte é libertada.
E se esta usou o título como defesa, houve quem dele abusasse como é o caso de uma Maria de Calvos que para melhor vender os doces que fazia afirmava ser a heroína de Fonte Arcada.
Maria da Fonte, um enigma que continua. Afinal que rosto tinha Maria da Fonte?
Revolução da Maria da Fonte
Assim se chamou a revolução que rebentou no Minho em Maio de 1846 contra o governo de Costa Cabral, mais tarde conde e marquês de Tomar.
A rainha D. Maria II, assustada com esta insurreição verdadeiramente popular, viu-se obrigada a demitir o ministério cabralista, chamando ao poder o duque de Palmela e Mouzinho de Albuquerque, mas, quando julgou que abrandara assim a revolução, e que o duque da Terceira, que nomeara seu lugar-tenente nas províncias do norte do país, poderia reprimir as indignações do povo e estabelecer ali a paz, sancionou o golpe de Estado de 6 de Outubro de 1846, e sem nomear Costa Cabral, formou um ministério pronunciadamente cartista, presidido pelo marechal Saldanha. Esta notícia foi transmitida ao Porto pelo administrador de Vila Franca, e excitou a cólera dos portuenses.
A insurreição era tão forte, que, para se lhe pôr termo, foi precisa a intervenção estrangeira. Uma esquadra inglesa aprisionou a esquadra da Junta do Porto, com a divisão do conde das Antas que ia a bordo, e um exército espanhol, do comando de D. Manuel Concha, foi ocupar o Porto. Ao mesmo tempo as tropas da Junta, comandadas pelo visconde de Sá da Bandeira, eram batidas no Alto do Viso pelo general Vinhais.
A convenção de Gramido de 30 de Junho de 1847, pôs fim a essa terrível insurreição que tanto assustara a rainha, a qual nem sempre mostrou com os vencidos a clemência que se poderia esperar da sua generosidade.
A revolução da Maria da Fonte é um dos episódios mais importantes da nossa história politica do século XIX.
O maestro Angelo Frondoni compôs por essa ocasião um hino popular, que ficou conhecido pelo nome de Maria da Fonte ou do Minho, e por muito tempo foi o canto de guerra do partido progressista em Portugal.
- Resumido e adaptado por: Jorge G
- Fontes: "A HISTÓRIA DAS MULHERES E AS MULHERES E A HISTÓRIA" ; "Revolução da Maria da Fonte", in Wikipedia ; PORTUGAL - DICIONÁRIO HISTÓRICO: "Maria da Fonte, Revolução da" ; Assoc. Tur. Póvoa de Lanhoso - http://www.atpl.pt/mariadafonte.htm
Publicação nº 242 - jorgg