"O Islão é uma cultura diferente"
Em entrevista ao “Spiegel”, o Cardeal Walter Kasper, representante ecuménico da Igreja Católica, discute as relações do Vaticano com os muçulmanos e o furor gerado pelas últimas observações do Papa.
SPIEGEL: Cardeal, ficou surpreendido pela forte reacção dos muçulmanos em todo o mundo ao discurso do Papa, em Regensburg?
KASPER: Porque a fé cristã constitui um acto pessoal voluntário, o Papa tem todo o direito de expressar as suas preocupações justificáveis: o conceito de direitos humanos universais, a liberdade religiosa e a distinção entre religiões e políticas. Aliás, a Igreja Católica é uma igreja universal e, hoje, mais um comparsa à escala global, mais do que alguma vez foi.
SPIEGEL: O que significa que conflitos com outros religiões são aparentemente inevitáveis.
KASPER: O conflito com o Islão sempre existiu ao longo da história europeia, que era aquilo que o papa salientava. A refrega de agora com o o Islão parece estar a entrar numa nova fase. Muitos lhe têm chamado “um choque de civilizações.” Mas esta fase tem de ser manuseada com grande cuidado para impedir que se torne numa profecia de auto-satisfação. A alternativa ao conflito é o diálogo. Este foi o caminho escolhido pela Igreja e é também a opção que o Papa apoia. Nós queremos uma diferença de opiniões pacífica que, evidentemente, se baseia na reciprocidade. Mas não devemos alimentar quaisquer ilusões sobre as dificuldades que isto envolve.
SPIEGEL: Porque é tão difícil para a Igreja Católica o diálogo com o Islão?
KASPER: Não há um Islão. O Corão é ambíguo e o Islão não é uma entidade monolítica. A distinção entre o Islão radical e os muçulmanos moderados é importante, assim como o são as diferenças entre os sunitas e os shiitas, e entre o Islamismo militante e o místico. O Islão do mundo árabe coexiste com o Islão da Indonésia, do Paquistão e da Turquia. Há uma solidariedade limitada, mesmo dentro do mundo árabe. Os muçulmanos que vivem entre nós (na Alemanha) não lograram construir uma organização que represente todos os muçulmanos. Uma tal organização poderia proteger-nos contra fantasias irracionais conduzidas pelo medo, fantasias que demonizam por completo o Islão. Mas é difícil, nas actuais circunstâncias, encontrar opositores representativos com quem dialogar.
SPIEGEL: Crê que um diálogo em pé de igualdade é possível?
KASPER: Não se pode ser ingénuo quando se faz parte deste diálogo. O Islão merece, sem dúvida, respeito. Tem algumas coisas em comum com o Cristianismo, tais como Abraão como progenitor de ambos, e acrença em um só Deus. Mas desde o princípio que o Islamismo se desnvolveu em oposição ao Cristianismo Ortodoxo e que se considera a si próprio superior ao Cristianismo. Até agora só tem sido tolerante em lugares onde setá em minoria. Onde é a religião maioritária, o Islão não reconhece a liberdade religiosa, pelo menos como nós a entendemos. O Islão é uma cultura diferente. Isto não significa que seja inferior, mas é uma cultura que tem ainda de se relacionar com com os lados positivos da nossa cultura moderna do ocidente: liberdade religiosa, direitos humanos e igualdade de direitos para as mulheres. Estas falhas, estas insuficiências, são uma razão para que tantos muçulmanos sintam uml frustação tal que resulta frequentemente em ódio e violência contra o ocidente, desprezado por ser tido como desprovido de um Deus e decadente. Os ataques suicidas são actos de derrotados que nada têm a perder. Neste caso, o Islão serve-lhes de máscara, de cobertura para o desespero e o nihilismo, mas não como religião.
Excerto da entrevista traduzido por: Jorge G. 18.09.2006